“O Mundo Não Para”
19/10/2019
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Entro no carro do aplicativo, que chamara para ir ao aeroporto.
- Bom dia - cumprimento.
-Bom dia, Fernando não? Congonhas, certo!
-Sim.
O motorista era jovem, de barba e cabelos aparados, fala mansa e baixa, calmo, educado. Seguimos pelo trânsito "normal" da cidade, pesado, com muitos carros como sempre. Puxo conversa.
-Faz tempo que está trabalhando de motorista?
-Dois anos.
-O que fazia antes?
-Era enfermeiro.
-Boa atividade. Por que mudou de área?
-Perda na família.
A resposta me calou, mas a curiosidade não. Dei um tempo na conversa, pensando ser a perda de mãe, pai, avós, pessoas mais velhas. Acompanhava nossa ida observando a cidade pela janela, sentara no banco traseiro, atrás do carona. O dia estava belo, época da florada dos ipês rosa e amarelo, que deixavam a cidade mais colorida.
- O que houve?
-Perdi minha filha. Tinha um ano e meio.
Engoli seco, chocado pela sua resposta calma e tranquila! Não sei como agiria caso fosse eu que perdesse um filho. Morreria junto!
-Faz tempo?
-Dois anos. E foi no hospital em que trabalhava, não consegui fazer nada para salvá-la. Foi muito duro para mim! Minha mulher ficou em depressão profunda, e só agora está retomando a vida. Nossas vidas desmoronaram!
Calei-me novamente, olhando as pessoas em seus carros com suas ansiedades, ambições, decepções e perdas. E a morte de meu pai veio-me à lembrança. O acompanhei ao hospital em uma segunda-feira ensolarada, final de julho, vinte anos atrás, dia bonito como aquele, no táxi. Tinha câncer na bexiga e um enorme aneurisma na aorta, que segundo o médico, era o maior risco de lhe provocar a morte, o que ocorreu naquele dia. Fiquei abalado e chocado com a notícia de seu falecimento. A bruta realidade que me abatera naquele momento, mas que para os outros nada influenciava: a vida seguia inexorável.
- O senhor sabe que com essa perda tão grande e profunda, a gente fica abalado e pensa que o mundo deveria parar, mas não para! Segue em frente, independente do que nos acontece! Por isso deixei de ser enfermeiro e troquei de ambiente de trabalho, pela decepção e frustração que tive comigo. Hoje, faço meu horário, posso ir ver minha mulher em casa, dar apoio para recomeçarmos.
-Entendo. Mas vocês são jovens e podem ter outro filho, sei que a perda é insubstituível, mas é uma forma de se reconstruírem emocionalmente.
-Sim, eu gostaria.
Chegamos, pago a corrida, desejo-lhe força, boa sorte e desço do carro. O mundo não para mesmo!
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