O MENINO DO FUTURO


    Quando me dei conta daquele menino agitado correndo para um lado e para o outro, fiquei logo assustado! Apesar de a pobre criatura parecer espalhar felicidade por todos os poros, nunca tinha visto um ser humano tão magro, tão pálido como aquele. Minha atenção também foi despertada, além da sua esquálida figura, para o brilho contagiante dos seus olhos. Eles irradiavam uma necessidade urgente de apropriar-se de tudo ao seu redor. Tudo, e ao mesmo tempo!
    O guri dava a impressão de querer abraçar o mundo todo com os olhos!
  Encontrava-me num parque apinhado de gente, no entanto, ninguém deu a menor importância para o menino. Por pura curiosidade, larguei o jornal em cima do banco da praça e fui ter com ele.
    — Oi, tudo bem?
    — Olha, olha, moço! – Disse o garoto todo em sorrisos a saltitar e apontar o dedinho encardido em várias direções, sem preocupar-se com apresentações. – O céu azul, as árvores, a grama! Olha só a grama como é verde! Olha lá, aquele rio. Que lindo!
    Percorri o olhar para os lados em que seu dedinho ia assinalando a paisagem. O que vi foi o que sempre vejo naquele parque: a grama verde, mas cheia de papéis de balas. O rio já meio marrom, um pouco sujo. O céu ainda azul, porém ligeiramente encoberto pela fina camada de poluição das fábricas da cidade.
    Nada para comemorar em relação a preservação ambiental!
    — Tô vendo – disse sem muito entusiasmo.
   — Não é lindo? Tudo isso não é lindo? – Comentou o garoto abrindo os braços para reverenciar a paisagem sofrível.
   Perplexo, olhei para ele. Antes de lhe responder, o menino estufou o peito altivo, cheio de orgulho, apontando novamente o dedinho para indicar, pelos menos na opinião dele, uma das sete maravilhas do mundo.
    — Eu tomei água pura daquele negócio lá, ó!!!
    — Aquele negócio lá é um bebedouro.
    — Pois é, tomei água pura daquele “bebedouro”. De onde venho é impossível fazer isso, sabe, seu moço. Água assim... Sabe? De graça! Pura, limpinha, branquinha!
    — Mas a água que você bebeu não é assim tão pura como você diz.
    — Aaaah.... é sim, porque do lugar de onde venho nem em sonho se pode beber uma água como aquela.
    O garoto era maluquinho mesmo! De repente, a criaturinha pegou minha mão no firme propósito de arrastar-me com ele para aquela agitação.
    — Vamos, vamos, vamos moço...
    — Vamos aonde?
    — Falar com as pessoas. Ora, elas não podem sujar a natureza. Não, não podem não! Temos de avisá-las. Esse lixo vai destruir o nosso planeta. Vai sim! Temos de alertar a todos que...
    Parei, abruptamente, no meio da praça quase a deslocar o braço mirrado do garoto! A fisionomia dele, agora transfigurada por uma preocupação genuína, atingiu-me com força. Ele estava falando sério. Muito sério!
    — Vamos, precisamos avisar essa gente. Eles não podem poluir a natureza. – Insistiu, sem sucesso, me mover do lugar.
    Meu coração ficou apertado com a urgência no tom de voz do guri. No entanto, eu não podia mentir para ele!
    — Querido, eles já sabem disso.
    — Hein?
    — Eles já sabem que não podem poluir a natureza.
    — Ué, por que então...
   De súbito, parou de se mexer afobado. A testa contraiu-se em pensamentos. A fisionomia esvaziou-se. Os olhos perderam a vivacidade e o brilho em questão de segundos. Antes do choro contido se transformar em soluços irreparáveis, tomei a frente da conversa.
    — Afinal, de onde você vem?
    — O senhor não vai acreditar!
    — De onde você vem?
    — Aaaah, o senhor não vai acreditar.
    — Tente!
    — Bem... é uma longa história, sabe, seu moço! Mas eu vim do futuro. É isso aí. Do futuro. E a situação no futuro não tá nada boa!
    Difícil de acreditar mesmo. O garoto, realmente, devia ter um parafuso frouxo dentro daquela cabecinha perturbada. Era fome. Só podia ser fome.
   — Fique aqui. Vou ali naquela barraca de cachorro-quente comprar um pra você, tá bom?
    — Tá, sim senhor. – Ele disse investindo sua atenção novamente nos encantos questionáveis do parque.
    Fui até a barraca para comprar o cachorro-quente.  Quando voltei para o lugar onde havia deixado o miúdo, ele não estava mais lá! O pobrezinho tinha ido embora. Procurei a tarde inteira nas redondezas. Conversei com a maioria das pessoas do parque em busca de informação, contudo ele simplesmente se evaporou do lugar! Sumiu, escafedeu-se!
    Naquela semana, e nas semanas seguintes, voltei todos os dias à pracinha da grama verde salpicada de papéis de bala, do rio sujo e do ar pesado da poluição das fábricas, porém... nada. Nunca mais o vi!
    Até hoje penso nele e me pergunto: “será?”



 

Affonso Luiz Pereira
Enviado por Affonso Luiz Pereira em 08/10/2020
Reeditado em 20/09/2023
Código do texto: T7082909
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