Conto das terças-feiras – Trágico encontro

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 6 de outubro de 2020

Ele não gostava de multidão, era ensimesmado. Ela amava badalações, festas, praia, esporte, tudo o que representava movimento, algazarra. Não tinha nada de tímida. Ele, ao contrário, era tímido ao extremo, uma personalidade difícil. Mesmo assim, quando se encontravam os seus mundos mudavam. Ele procurava agradá-la, mostrava-se conversador, brincalhão, barulhento. Ela retraía-se, gostava apenas de ficar ao seu lado, admirando o seu formoso rosto, o seu agradável sorriso. Nesses momentos, ela esquecia tudo, só interessava-lhe ouvir a sua voz. Os sons produzidos pelas vibrações das pregas vocais sob pressão do ar que percorre a laringe. Pensava como seria fantástico penetrar nesse ambiente e assistir bem de perto esses movimentos.

Eram duas pessoas que viviam trocando de personalidade, como fazem os atores e atrizes interpretando papéis em novelas. Quando juntos nunca estavam em companhia de outras pessoas, nem mesmo com conhecidos ou colegas de um e de outro, que não sabiam da amizade que rolava entre os dois. Eram momentos só deles e tudo acontecia em um chalé, comprado por ele, em praia paradisíaca e afastada da civilização. Moravam em cidades diferentes, mas vizinhas, e viviam sós. Encontravam-se apenas a cada dois fins de semana, quando fugiam de seu mundo diário e penetravam em um outro, construído por eles e só para eles. Ninguém mais podia entrar, esse era o pacto.

Henrique era engenheiro de TI, com foco na área de desenvolvimento de programas em segurança informática, projetando e implementando medidas e controle de segurança para prevenir violações de privacidade e ameaças de malware. Um trabalho chato e solitário. Mesmo assim, era o que gostava de fazer. Por seu lado, Wanda, como artista plástica, vivia nos vernissages, coquetéis, baladas e barzinhos, em companhia de seus amigos, também artistas. Era a vida que gostava de levar. Quando se juntavam, como mágica, se transformavam, um parecia pedir emprestado a personalidade do outro.

Eles se conheceram por acaso, em uma determinada rua de uma determinada cidade. Ambos estavam absortos, voltados para os próprios pensamentos, quando se chocaram. Ele deixou cair um pequeno pacote que carregava sob as axilas, pois estava carregando, cuidadosamente, alguns papéis em suas mãos. Das mãos dela caiu o celular, por onde consultava quando teria que entregar uma obra de arte para uma casa de eventos.

Aturdidos, um olhou para o outro e começaram a rir. Ele, gentilmente apanhou o celular dela e a entregou. O seu pacote se perdeu dentro de uma boca de lobo que se encontrava aberta. Ao receber o seu inseparável celular, agradeceu e fez menção de prosseguir a sua viagem. Olhou para o rapaz para dizer até logo, quando percebeu que ele era bonito, elegante e tímido. Ele ficou sem jeito e desviou o rosto em direção aos movimentos dos carros e seus ocupantes que passavam apressados sem dar atenção àquele encontro casual. Ela tomou a iniciativa e o convidou para tomar um cafezinho a poucos metros dali. Ele aceitou.

Esse encontro aconteceu em uma bela tarde de verão e se prolongou por verões a fio, sempre a cada dois fins de semana. O último aconteceu em um belo dia de verão. Quando ela chegou ao chalé ele já a aguardava. Era um momento muito aguardado, sempre. Ela desceu do carro, esboçou um sorriso amarelo, e passou por ele, que estava à porta para recebê-la, sem quase o cumprimentar. Tudo aquilo era estranho, nunca fora assim. Desconfiado, Henrique entrou, não disse nada, pegou uns papéis que trouxera para revisar e se sentou em uma confortável poltrona. Nem a acompanhou ao quarto para ajudá-la a guardar as poucas coisas que carregava.

Algumas horas depois, Wanda deixou o quarto e foi sentar-se na poltrona em frente ao companheiro. Estava de semblante contraído. Disse apenas poucas palavras: — Esse é o nosso último encontro!

Ele, de cabeça baixa, levantou-se, dirigiu-se ao seu carro, pegou algo e retornou. Com uma frieza estúpida deu três tiros na companheira, em seguida direcionou o revólver para a boca e apertou o gatilho. Caiu sobre a cadeira onde jazia a companheira. O local era tão ermo que os corpos só foram encontrados mais de um ano depois. Junto a ele um revólver com duas balas não detonadas. Na bolsa dela outro revólver com seis balas no tambor.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 06/10/2020
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