1148-ACONTECEU NO CABROBRÓ

ACONTECEU NO CABROBRÓ

Éramos todos jovens frequentando um curso especial a fim de enfrenarmos o concurso de admissão ao Banco do Brasil. Emprego almejado por um sem número de rapazes que pretendiam ingressar no banco que pagava o melhor salário, além de ter um quadro de promoções e cargos que oferecia uma vida profissional bem recompensada e uma existência tranquila, sem sobressaltos financeiros.

O curso era proporcionado por funcionários graduados do BB e funcionava em algumas salas do décimo segundo andar de edifício situado na Avenida Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, durante os meses de dezembro de 1954, janeiro e fevereiro de 1955, para o concurso a ser realizado em março.

Os cinco professores que se revezavam no ensino de diversas matérias eram todos competentes, variando apenas a maneira de cada um de apresentar suas aulas.

Havia a matéria de grafologia, matéria totalmente nova para nós, a maioria funcionários de outros bancos. O professor Raul era um senhor de uns 50 anos, técnico de muitos anos, de aparência circunspecta, sério no início do curso, revelou-se afável e até brincalhão ao decorrer das aulas.

Costumava ilustrar suas lições com exemplos de acontecimentos bizarros, estranhos, erros, confusões, engraçados alguns, ocorridos em agencias do BB. Talvez para enfatizar a situação ou dar um ar de graça a uma matéria absolutamente técnica, situava todos seus casos numa agência supostamente num local remoto, que dava o nome de Cabrobó. Ele próprio contribuía para a ideia de que o Cabrobró seria o “fim do mundo”, como, aliás, ele se referiu em certa narrativa.

Enfim, na nossa cabeça, urbanoides que éramos, a certeza de que Cabrobró era um local de fantasia representando “fim da picada”.

Álvaro Branco era um dos colegas que, por ser mais velho que a média e bem falante, tinha alguns casos também estranhos e engraçados, que contava como de sua própria experiência de trabalho.

Certo dia Álvaro narrou na classe uma de suas histórias na qual se evidenciava grande desorganização e desleixo funcional em uma firma comercial, terminou dizendo que era ocorrência normal na cidade.

Quando Álvaro terminou sua narrativa, o professor perguntou-lhe:

— E como se chama essa cidade com tanta confusão, seu Álvaro¿.

Alvaro, talvez para dar graça a sua narrativa, respondeu:

— É Cabrobró, seu Raul.

Risinhos disfarçados entre nós, os alunos.

O professor fechou o cenho.

—E o senhor sabe onde fica Cabrobó¿

Com certa displicência, Álvaro respondeu:

— Sei lá, mas do jeito que o senhor fala, deve ser além de onde o Judas perdeu as botas... Deve ser cu do mundo...

Novos risinhos, agora de toda a turma.

Vagarosamente e com toda solenidade, o professor Raul levantou-se e falou:

— Pois fique o senhor sabendo que Cabrobró é a minha querida cidade natal e não gosto nada de quem fala mal de minha santa terrinha!

Um silêncio profundo e sinistro caiu sobre a sala.

Álvaro ficou mais branco do que seu nome. Nada disse e todos nós sentimos o peso de sua vergonha.

O professor permaneceu de pé, curtindo aquele momento. Até que, abrindo um sorriso largo, apontou para Álvaro, dizendo:

— Te peguei!

E estourou numa gargalhada, no que foi acompanhado por todos nós.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Sitio Estrela, Pé dá Serra da Moeda, 21 de março de 2020

Conto # 1148- da Serie INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 05/10/2020
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