CESSARAM OS PEIXES..!

Quando eu tinha 16 anos, o colégio era minha maior fonte de riso e gozação. Na década de 1960, tive o privilégio de conviver com uns caras extraordinários, um bando de gozadores geniais que transformavam as aulas e o intervalo do recreio em sessões de gargalhadas contínuas. Lembro como se fosse hoje quando o Beto Krueger inventou de tratar os colegas da turma com surpreendente formalidade e refinada educação: _”Colega Linhares, por gentileza me alcançaria o compasso que se encontra no vértice direito da tua carteira?”; _Colega Reinoldo, como passou de ontem para hoje?”; _“Colega Daher, já se faz tarde e necessito de uma carona, poderia me conceder tal benesse?”; e demonstrando um protocolo mais do que exagerado para com os professores: _”Mestre Schneider, queira por fineza repetir o conceito matemático de vetor”. Isso nos contagiou de tal forma que em pouco tempo metade da turma estava procedendo de igual maneira, sempre com um irônico sorrisinho nos lábios. Os alunos das outras turmas observavam aquele procedimento esdrúxulo e não sabiam o que pensar, pois o nosso conceito na época – diga-se ao pé do ouvido - não era dos melhores. Mesmo assim, muitos aderiram a esta nova forma de relacionamento, pode-se dizer que a coisa virou moda, e acabou se espalhando por todas as salas de aula.
Fazíamos tantas vezes isso que começamos a incorporar o hábito, de tal forma que o nosso vocabulário diário foi sendo alterado - para melhor, diga-se. Mas soava muito engraçado para quem nunca dantes tinha nos visto com esse comportamento, e essa era justamente a nossa intenção: fazer graça.
Muito bem, àquela época um primo chamado Rui convidou meus irmãos e eu para uma pescaria no belo sítio do seu futuro sogro. Aceitamos o convite, apesar de se tratar de um lugar ermo e distante, onde não havia comércio local, energia elétrica, água encanada, e pra ser sincero...nem peixes no rio que o atravessava.
Depois de horas e mais horas dando banho nas minhocas, conseguimos pegar dois ou três lambarizinhos, com o agravante de que iríamos passar a noite por lá e contávamos com o fruto da nossa pescaria para o jantar. Estávamos todos sentados no barranco com as varinhas já pesando como chumbo nas mãos, quando me brotou aquela inspiração adquirida e exercitada no colégio. Então, lancei ao vento uma artificiosa frase que muito me destacou na família: _”Meus estimados irmãos e caro primo: CESSARAM OS PEIXES..!”.
Eles não me perdoaram. _”Cumequié ??? Cessaram os peixes??? Putz, assim não tem como pegar peixes mesmo, que frescura...cessaram os peixes...essa não! Nine...não acredito que você disse isso..! Depois dessa, não sei vocês...mas eu tô parando..!”.
Nossos estômagos reclamavam desesperados e nos constrangeram a sairmos à caça de rãs na beirada do rio, com o auxílio de uma potente lanterna. Nunca as havia caçado nem comido, e só o fiz pelo instinto de sobrevivência - frise-se. Asseguro-lhes que não são venenosas, que não dão dor de barriga, que ficam mais apetitosas depois de limpas, e que tem gosto de frango. Mas na parte que me toca, não pretendo degustar outra até o fim dos meus dias...
E como consequência da minha frase artificial e infeliz, passei um bom tempo sendo sarreado pela família. Mal me viam em algum lugar e já começavam a debochar: _“Cessaram os peixes, cessaram os peixes..!” Hehehehehe.
(Marco Esmanhotto)
Marco Esmanhotto
Enviado por Marco Esmanhotto em 03/10/2020
Reeditado em 03/10/2020
Código do texto: T7078909
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