Conto das terças-feiras – Uma simples brincadeira, resultado assustador

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 29 de setembro de 2020

Era uma brincadeira inocente, de pega-pega. As crianças percorriam o pátio do condomínio onde moravam. Uma área com muitas árvores e folhas secas caídas ao solo. Nunca acontecera qualquer acidente no local, só mesmo derrapadas de bicicletas e quedas ao chão, sem muitas consequências.

Sábado, entre 9 e 11 horas, fazia bastante calor, a meninada só de calção de banho, pois, ao término da brincadeira iria tomar banho de piscina. Era uma tarde alegre, a idade das crianças variava de quatro a seis anos, todos moradores do condomínio e se conheciam muito bem. Era isso que faziam todas as tardes, sempre à vigilância das babás. Já cansado, Nicolas sentou-se sob a sombra de uma frondosa árvore, cujos frutos maduros caíam constantemente. Era cajá, conhecido como taperebá, na Amazônia. As outras crianças o acompanharam no momento do breve descanso. As babás sempre por perto, alertas.

Tudo corria bem. De repente, Nicolas soltou um ai e levantou-se rapidamente. Sua babá correu para verificar o que tinha acontecido. Constatou que no local havia frutos de cajá bastante maduros e muitas formigas se alimentavam deles. A moça deduziu que foram elas que picaram o garoto, e que não fora nada demais. Os outros garotos, com medo, correram para o chuveiro, se molharam e caíram na piscina. Nicolas levantou-se, esfregou a mão no pezinho direito, local da ardência e foi tomar banho de piscina.

Às 12 horas todos foram para as suas respectivas casas. Nicolas, mancando um pouco, não aparentava sentir dor, mas os amiguinhos ficaram preocupados. Chegou à casa, tomou banho, vestiu-se e foi almoçar. Assistiu um pouco de TV, fez o dever de casa e foi se deitar. Chegando à cama, sentiu uma queimação na área da picada, mostrou para a sua mãe que percebeu um início de inchaço. Ela fez compressa e ele dormiu. Sua mãe achava que não era nada sério.

No domingo o inchaço piorou muito, sua mãe foi à farmácia comprou um antialérgico. Achava que apenas com o remédio ele melhoraria. À tardinha a mãe de Nicolas mandou uma foto para os seus pais, que moram em Fortaleza, deixando-os assustados. Recomendaram que o garoto fosse levado a um posto de emergência. Embora achando que era exagero, que era só́ uma picada de formiga, seguiu os conselhos dos pais e o menino foi levado ao posto de saúde. Na triagem, constataram que ele estava febril. Pela observação da médica pediátrica que o atendera, o pezinho da criança estava infeccionado, precisaria fazer ultrassom e tomar antibióticos por 10 dias. Completando o seu diagnóstico, a médica disse:

— Se não desinchar teremos que chamar o cirurgião, para uma drenagem.

— Que susto, gente! Eu nunca imaginei que uma formiga fosse fazer tanto estrago. Por isso, a gente sempre deve pecar pelo excesso quando se trata de criança, - comentou a mãe ao chegar a casa. E completou:

— Devemos acreditar sempre nos conselhos dos mais idosos, eles têm experiência de vida. Graças a Deus, vovó e vovô, mesmo de longe, ajudaram mais uma vez!

Na segunda-feira, o garoto já estava bem melhor. Sem febre, fez o ultrassom que não revelou nenhum abscesso. Por recomendação médica começou a tomar corticoide.

Entre os amiguinhos, um deles perguntou o que picara o pé do Nicolas. A resposta saiu da boca do próprio:

— Foi um bicho, parecia uma minhoca e tinha asas de passarinho.

Todos se olharam e um menino de mais idade, sete anos, prontamente identificou esse medonho bicho, mostrando seus conhecimentos em zoologia pré-histórica:

— Então foi um minhassaro! (1)

Todos concordaram balançando a cabeça. O menino prodígio esboçou um sorriso de satisfação, tomou o caminho de casa, triunfante e pensou:

— Eu sou o cara!

Os outros ficaram a observá-lo, talvez com um pouquinho de inveja por tanta sabedoria.

(1) - Traduzindo – mistura de minhoca com pássaro

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 29/09/2020
Reeditado em 29/09/2020
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