"Uma Lenda!"

29/11/2019

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Vi outro dia na TV o anúncio da construtora Zabo, tradicional pela execução de apartamentos de alto padrão. O nome me lembrou da época em que joguei polo aquático, nosso treinador tinha um nome húngaro parecido: Aladar Szabo ou somente "Zabo" como o chamávamos.

Fora um grande jogador da seleção húngara, os melhores nesse esporte, assim como nós no futebol. Veio para o Rio de Janeiro fugido da invasão russa naquele país, em 1956. Já era uma lenda no esporte!

Naturalizado, jogou pela seleção brasileira no Pan-Americano de 1963 em que o Brasil foi campeão. Tinha fama de violento. Seu chute, arremesso, era potentíssimo, pois as bolas de couro da época encharcavam-se de água, quebrando as traves dos gols que eram de madeira.

Depois, veio para São Paulo, treinar e jogar pelo Palmeiras, nos anos 70, quando o conheci. Comecei a jogar aos meus quinze, dezesseis anos e às vezes treinava junto com o time principal do Paulistano contra o clube dele. Eu era aspirante ainda.

Em um desses treinos colocaram-me para marcá-lo na "banheira" e ganhar experiência. É a posição em que o jogador fica de costas para o gol adversário esperando receber a bola para o arremesso. Era uma briga de puxa e estica o calção - jogávamos com dois. E também de pés, braços e arranhões pelo corpo.

Era enorme, forte e pesado, parecia um lutador de boxe, cara redonda, peito largo e envergadura grande. Brincava comigo dizendo que lhe fazia "cócegas" tentando não deixar que marcasse gols! Em um lance, pegou nos meus testículos e puxou, dei um berro enorme e claro fez o gol, virou-se e me disse:

- Para ficar "experto" garoto! - com seu sotaque "carioca-magiar".

Veio com uma parte da equipe treinar o meu clube, quando da dissolução do time do Palmeiras. Era engraçado, brincalhão e beberão. Gostava principalmente de vodca e bêbado era um perigo, pois não sabia dosar a força.

Começou a renovar a nossa equipe colocando os mais novos no lugar de alguns mais velhos no time principal, eu incluso, o que causava certo desconforto aos "medalhões".

Ficamos amigos, me chamava de "cheravolovitch", à moda húngara, e me convidou para ajudar na sua escolinha de natação, dar aulas para as crianças. Topei.

O nome da escola era "Sanacqua". Ia três vezes por semana, conciliando o horário da faculdade. Era uma delícia! Minhas turmas eram as iniciantes e como adoro os pequenos, entrava no espírito infantil e as ensinava brincando. Fazia uma chamada de "aviãozinho" em que pegava um deles com os braços abertos, levantava como se fosse um avião e os atirava na água! Adoravam e "Zabo" também, porque as crianças ficavam felizes e queriam vir nadar.

Fazíamos intervalo no meio da manhã ou da tarde, para um lanche, havia uma copa com geladeira e fogão. Na geladeira ficavam as garrafas de "Fanta laranja" do "Zabo" - as tomava diariamente.

A princípio não percebi, mas depois de algum tempo notei que seu comportamento mudava, principalmente à tarde, ao final das aulas, falava mais arrastado e até entrava na água, brincando com as crianças e conosco, os "professores".

Em uma dessas vezes, eu e mais dois outros "professores", brincávamos com ele com uma bola de gol a gol e na rebatida íamos disputá-la nadando. Então, consegui pegar a bola e quando passava nadando por cima do seu corpo, me puxou pela perna e me deu um "mata-leão", uma gravata, de "brincadeira". Desmaiei por alguns segundos e voltei com ele me segurando, não soube o que acontecera, nem onde estava. Apaguei ou ele me apagou!

Desconfiei que continuasse a beber. Era de fato alcoólatra e estava proibido de tomar bebidas alcoólicas, sua mulher nos dissera. Seu fígado estava condenado.

No intervalo de uma das aulas, pela manhã, ele não estava na escola, fomos fazer nosso lanche e peguei uma das "Fantas", abri e cheirei: pura vodca com laranja!

-Ah, está explicado! - comentei.

-Não sabia? -fala um dos "professores".

-Não!

-Pois é, ele não parou de beber, pediu para não contar nada para sua mulher, senão ela vai separar dele! Ele está com o fígado acabado pela bebida. Cirrose pelo visto!

-Que coisa!

-Sim.

Soube anos depois que falecera, talvez de cirrose, como naquele dia dissera meu amigo. Uma pena!

Gostava dele, apesar da sua brutalidade desmedida provocada pela bebida em alguns momentos. Foi meu ídolo, como para muitos e tive o prazer de jogar e conviver algum tempo com ele. Grande Aladar Szabo ou "Zabo". Uma lenda!

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 29/09/2020
Código do texto: T7075168
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