O aniversário
Ela chegou a janela e espiou o tempo. Perguntou ao marido se aquelas nuvens escuras era sinal de chuva imediata. O marido respondeu que talvez nem chovesse. Precisava sair, encomendara um bolo de aniversário para a filha Penélope que estava fazendo dezoito anos. Não haveria festa, a condição financeira não permitia gastos além do necessário. Mas não deixaria de comemorar em família uma data tão importante. Sabia que a filha valorizava todos os esforços dos pais e ficava feliz com o pouco que eles podiam lhe proporcionar. Assim foi até o quintal, recolheu a roupa do varal, caso chovesse, e o marido esquecesse de recolhê-las.
Depois foi até a cozinha dar uma olhada se não faltava nada. Os salgados ela mesma preparara, os refrigerantes já estavam gelando e a mesa estava posta. Não gostava de desordem, tirou a forma de
salgado que estava em cima da mesa, vazia. E por um descuido deixou cair bem em cima do dedão do pé o qual tinha uma unha encravada. Gritou de dor. Mas não praguejou. Não era dada a tais reações.
Faltava mesmo era o bolo. Não era muito longe a casa da boleira. Uns cinco quarteirões. Agora meio mancando disse ao marido que sairia logo, queria chegar antes de Penélope. O marido se ofereceu para ir buscar o bolo, mas ela se negou, sabia que ele se demoraria, pois sempre encontrava um conhecido, e parava para bater papo.
De posse do guarda-chuva saiu. Ia tranquila mas a meio do caminho a dor do dedão ia aumentando. O sapato estava apertando bem em cima da unha encravada. Teve então que forçar o pé no calcanhar. Começou a andar de modo desajeitado. Mas tudo bem já andara dois quarteirões. Então pensou se ao menos encontrasse um conhecido para lhe dar uma carona. Mas nessas horas não aparece ninguém.
Sentiu uns respingos no rosto, abriu o guarda-chuva. E em seguida um relâmpago acompanhado de um estrondoso trovão. Levou um susto que a fez recuar na calçada e pisar numa poça d’água bem ao lado do meio-fio. Agora mais essa, não bastasse o pé direito dolorido, o esquerdo encharcado. E agora os passos ficaram mais difíceis ainda. Mas do mesmo jeito que a chuva veio foi embora. E ela se sentiu aliviada. Fechou o guarda-chuva e finalmente chegou a casa da boleira. Bateu palmas, e logo dona Estefânia veio atender prontamente.
– Olá dona Carmem, a senhora veio a pé com essa chuva?
– Vim dona Estefânia, e volto logo para não pegar outro pé-d’água.
– Parece que vai chover muito ainda. Já pego o bolo da senhora.
– Por favor!
Cinco minutos depois lá estava ela a caminho com o bolo de aniversário e feliz da vida. Dona Estefânia caprichara na decoração. Os pés ainda incomodavam, mas não deu muita importância, logo estaria em casa. Mas aí veio novamente uns respingos. Ela parou, olhou para o céu e viu o quanto as nuvens se deslocavam rapidamente. Abriu novamente o guarda-chuva e enfrentou novamente uma chuva torrencial. Mas dessa vez a chuva veio acompanhada de um vento forte. E o guarda-chuva virou todo ao contrário, expondo-a chuva. Pelo menos o bolo estava bem armazenado em uma embalagem plástica. Olhou para um lado, para o outro e procurou um abrigo. Caminhou até o outro lado da rua para se abrigar em baixo de uma marquise. Mas a meio-fio descia caudalosa enxurrada. E sem esperar, um veículo passou rente ao meio-fio e a ensopou de água da chuva. De olhos fechados, ela sacudiu os cabelos, respirou fundo e pensou, já, já eu chego em casa. Depois mais uma estiada e ela lá se foi. Finalmente alcançou a casa com o bolo são e salvo.
Entrou, contou ao marido o ocorrido. Entregou o bolo ao filho do meio. Retirou os sapatos encharcados e colocou os no tanque lá fora. Depois foi tomar um banho. Sentiu se vitoriosa. Vestiu o seu vestido mais bonito. Penteou os cabelos, se perfumou. Voltou a cozinha e viu o filho olhando o bolo esparramado no chão. Pensou que o filho tivesse derrubado, mas foi o marido que ao abrir o freezer esbarrou na mesa. Ficou parada, embasbacada. Tanto esforço pra nada. E agora ?
Agora nada, teriam que comemorar sem o bolo.
Penélope chegou, a mãe contou o caso, e a filha a consolou. O que contava mesmo era o esforço da mãe.
Mas como gosto de final feliz.
Veio a irmã da dona da casa que soube do ocorrido pelo filho de dona Carmem, e trouxe um lindo e delicioso bolo de chocolate comprado na confeitaria da esquina.