Desventuras de Um Técnico - Temporada 2017 - Parte VI - Amargo Regresso
Assim que voltei a Caxias do Sul após resolver com Lúcia os últimos detalhes de nossa mudança, conversei com o presidente e fiquei a par de tudo que aconteceu depois que fui demitido.
Primeiro, houve uma greve dos jogadores em protesto pela minha saída do clube e isso levou em rota de colisão com o novo Departamento de Futebol culminando com as saídas de Lameiras e Thiago Rodrigues para Paços de Ferreira e Crac respectivamente.
Depois, Cristian Almeida desentendeu-se com Roberto Cavalo sendo também mandado para jogar no Gil Vicente de Portugal e Lucas Dantas foi afastado do grupo tendo que treinar em separado.
Nesse meio tempo, teve a séria lesão de Patrick que o afastou dos gramados por um mês, as inconstâncias táticas do novo treinador e a queda de rendimento no segundo turno que levou o time a zona de rebaixamento.
Após a derrota em casa para o Atlético Goianiense, Roberto Cavalo pediu demissão e todo o Departamento de Futebol caiu fazendo com que o presidente assumisse tudo sozinho.
E a primeira coisa que fez foi me trazer de volta em uma troca e é por isso que voltei pra tentar uma epopeia.
Sugeri então ao presidente que trouxesse alguém pra suprir a vaga de Lameiras e indiquei Maaroufi, que havia trabalhado comigo no Oeste. Em relação ao goleiro, promovi o jovem João Ferraz para se juntar a Taguchi e Pietro na equipe.
Depois de tudo feito, fui comandar o primeiro treino da equipe e percebi a vontade e o empenho dos jogadores em sair de toda essa crise.
Mas a tabela não era muito condescendente conosco.
Enfrentaríamos o Sampaio Corrêa no calor infernal de São Luís tendo que suportar ainda a boa qualidade do adversário que lutava para subir.
Precisando da vitória a qualquer custo.
* * *
Naquela altura do campeonato, estávamos a cinco pontos do Boa Esporte e percebi que só havia uma maneira de tentar um bom resultado: partir para o ataque total.
Uma tática suicida, mas eficaz. O time correria o risco de tomar contra-ataques e bolas nas costas dos adversários, porém era o único jeito que visualizei para enfrentar o bom time do Sampaio Corrêa.
E foi exatamente o que os rapazes fizeram.
O primeiro tempo foi esplendoroso com chances criadas pelos pés de Sugimoto e pela velocidade de Codorean que coroou sua atuação com um belo gol numa dessas jogadas onde arrancou do meio-campo, deixou três maranhenses pelo caminho e tocou na saída do goleiro pra fazer 1 x 0.
Depois, Arlindo Maracanã foi expulso por dar um pontapé sem bola em Rodrigo Arroz e coloquei Douglas pra aumentar ainda mais a velocidade usando a vantagem numérica a nosso favor.
Mas os maranhenses cresceram no segundo tempo e os rapazes sentiram o forte calor cansando-se muito rapidamente.
Com isso, fomos jogados contra as cordas e Dudu empatou a partida com um toque rasteiro no canto.
Ainda assim, conseguimos resistir a pressão e trazer um ponto importante na bagagem e mais do que isso, a confiança de volta.
E eu, é claro, mantive minha invencibilidade em estreias.
Isto veio em boa hora pelo fato da partida seguinte ser contra o Bragantino em casa onde faria minha reestreia.
Na viagem de volta, pensei com meus botões sobre como a torcida reagiria ao meu retorno.
Pra minha satisfação, a resposta foi a melhor possível.
* * *
A torcida fez sua parte magnificamente ao lotar o Centenário e pedi na preleção que fizessem jogadas rápidas ficando com a bola no chão por mais tempo.
Então os rapazes fizeram outro primeiro tempo esplendoroso e o 3 x 0 foi até barato para os paulistas.
Karl abriu o marcador com sua especialidade em chutes de fora da área, depois Renato Santos marcou contra ao tentar cortar o cruzamento de Giovani e um reintegrado Lucas Dantas marcou de cabeça após escanteio.
No entanto, o time relaxou demais no segundo tempo e quase que o Bragantino empata com Igor Sartori marcando dois belos gols.
Ainda levamos um susto no finalzinho quando Diego Mauricio ficou cara a cara com Taguchi e a bola caprichosamente passou a milímetros da trave.
Essa displicência me deixou muito aborrecido e ao mesmo tempo, estava preocupado com a queda de rendimento do time no segundo tempo.
Mesmo assim, a vitória veio e a torcida gritou meu nome sem parar, me deixando bastante emocionado.
Até brinquei com o repórter dizendo que o grito da torcida respondia sua pergunta.
Com os resultados paralelos, a diferença caiu para dois pontos e a saída do Z-4 estava já no horizonte.
Contra o Paysandu, além de encarar novamente o calor, tínhamos que ter atenção especial com o centroavante Bruno Veiga, um cabeceador nato e um finalizador dos mais perigosos além de ser um catimbeiro de primeira.
Minha preocupação era justificada pela inexperiência da maioria dos jogadores.
E sem dúvida, traria grandes problemas para nós.
* * *
E o que mais temia aconteceu.
Apesar de ter colocado o time no 4-4-2 escalando Kharatin como segundo volante para maior cuidado defensivo, o time não se encontrou em campo e para piorar as coisas, o próprio ucraniano caiu na catimba de Bruno Veiga, agarrando-o na área e cometendo um pênalti infantil.
O próprio centroavante bateu o pênalti, Taguchi defendeu, mas no rebote Marlon foi mais rápido e fez 1 x 0.
Menos mal que os rapazes assimilaram rapidamente o baque e reagiram ainda no primeiro tempo com Rafael Carioca acertando no ângulo um de seus chutes venenosos.
Coloquei Sugimoto ainda no primeiro tempo com a função de cair mais pela esquerda como falso ponta, objetivando anular os avanços do próprio Marlon.
No segundo tempo, coloquei Charles para reforçar o ataque e pedi a Patrick jogar um pouco mais próximo deles, municiando-os quando for necessário.
Mas havia Bruno Veiga. Como alertei aos rapazes, ele fez a diferença nos minutos finais usando a especialidade do cabeceio.
Escanteio vindo da esquerda e ele subiu mais que a zaga pra fazer o gol da vitória e nos complicando ainda mais na tabela.
Ainda em Belém, no final da entrevista com os repórteres, conclamei a torcida para que viessem nos apoiar contra o crucial duelo contra o Paraná.
Para prosseguirmos na busca do milagre de permanecer na Série B em 2018.
Era a hora de arriscar tudo.
* * *
Não tinha muito tempo para treinar esquemas novos e tinha um dilema a resolver: Charles e Lucas Dantas poderiam jogar juntos?
Pra resolver isso, teria que mudar o sistema para o 4-3-3 e colocá-lo no lugar de um dos volantes e como a vitória era necessária, resolvi tentar essa experiência.
Karl havia sentido uma leve dor muscular e facilitou as coisas para isso. Coloquei Charles na função de falso meia aproveitando sua especialidade no passe e escalei o menino Maaroufi para auxiliá-lo na armação das jogadas.
Só precisei de apenas dois minutos para provar que as mudanças foram certeiras. Primeiro, Charles passou para Lucas Dantas acertar a trave. Depois, foi ele mesmo que acertou a trave em um tirambaço de fora da área.
E finalmente o gol. Passe açucarado de Charles para a finalização certeira de Lucas Dantas e o Caxias já estava á frente do placar.
Com o gol cedo, as jogadas começaram a fluir melhor e fizemos uma das melhores atuações desde que reassumi o cargo de treinador do Caxias.
Logo no início a dupla funcionou novamente. Charles fez uma verdadeira assistência para Lucas Dantas encher o pé e fazer 2 x 0 pra explodir a torcida de felicidade.
Nem mesmo o gol de Lucas Pará fez brecar o entusiasmo dos rapazes por essa vitória tão importante que nos tirou da zona do rebaixamento pela primeira vez.
A guerra, contudo, ainda não terminou e tínhamos mais duas partidas duríssimas pela frente com o primeiro deles sendo um verdadeiro jogo de seis pontos contra o Boa Esporte lá em Varginha e ali o erro teria que ser zero.
Mas no meu íntimo, tive a estranha sensação de que havia chegado muito tarde para impedir o rebaixamento do Caxias à Série C.
* * *
E como o esperado, a partida foi bastante franca e com ataques de parte a parte já que os dois times precisavam da vitória a qualquer custo e quem perdesse, daria um passo importante para a degola.
Mandei os rapazes partirem pra cima do sistema defensivo boveta com a bola e se compactarem na defesa quando atacados.
Pedi a Giovani e a Rafael Carioca irem mais a linha de fundo e tentassem alguns cruzamentos para Lucas Dantas e Reinaldo e a estratégia mais uma vez deu certo.
Lucas Dantas marcou duas vezes de cabeça e isso nos tranquilizou um pouco na partida, embora tenha pedido ao time um pouco mais de cuidados defensivos e atenção especial a Morato e a Alexandre, dois jogadores muito habilidosos do time mineiro.
No entanto, o nervosismo pesou novamente e Rafael Carioca fez uma falta violentíssima em Pedro Felipe que saiu com suspeita de fratura na tíbia. O lateral tomou cartão amarelo e Natan acertou a cobrança na gaveta diminuindo a vantagem.
Depois disso, veio o apagão fatal de nove minutos que culminou com três gols do Boa Esporte.
Primeiro, Alexandre entrou como quis na área e fez um belo gol na saída de Taguchi. Depois, Morato marcou de cabeça e por fim Alexandre marcou de novo desta vez encobrindo Taguchi.
Vi que os rapazes ficaram abalados demais com estes gols em sequência e usei o intervalo para acalmá-los e pedi que insistissem mais nas finalizações.
Coloquei Codorean no segundo tempo para ganhar mais velocidade nas jogadas e mandei o time pra cima de vez.
Afinal, como meu pai diria, perdido por um, perdido por mil.
E realmente desperdiçamos um caminhão de chances com quatro delas parando em Fernando Júnior e Codorean e Jean carimbaram as traves. Ainda assim, conseguimos um gol graças a uma infelicidade de Cáceres que tentou dar uma rosca na bola e colocou contra o próprio patrimônio.
Naquele momento, senti que o empate estava próximo. Mas Patrick errou um passe e armou um belo contra-ataque para Morato entrar na área, driblar Taguchi duas vezes e tocar no fundo das redes para fazer 5 x 3 e nos mandar de volta para a zona de rebaixamento.
E enfrentar novamente uma última rodada de matar.
Com a diferença de que agora o time não depende mais de si. Tínhamos que vencer o Ceará em casa e torcer para Macaé, ABC e Boa Esporte não vencerem seus jogos para que a permanência seja concretizada.
Uma missão pra lá de complicada, mas ainda tínhamos flechas na aljava e bambus para fazê-las.
Se o milagre viesse, seria um feito pra se lembrar pelo resto da vida. Caso contrário, terei a desonra de ser rebaixado junto com o clube.
Agora é tarde para lamentos.
Era hora de preparar os rapazes para a batalha final.
E torcer que os deuses do futebol fossem benevolentes conosco.
* * *
Durante a semana, a diretoria baixou o preço dos ingressos para lotar o Centenário neste confronto decisivo e eu novamente usei o 4-3-3 que havia dado tão certo contra o Paraná com Charles e Lucas Dantas jogando juntos novamente no ataque com Maaroufi no meio-campo já que Rodolfo Peres havia atuado muito mal em Varginha.
A torcida veio em grande público e na preleção, enfatizei bastante o fato de fazer bem a nossa parte aconteça o que acontecer nos outros jogos.
Era hora da onça grená beber água.
Percebi que a maioria dos jogadores sentiram o peso da responsabilidade começando a errar passes simples, irritando-me bastante.
As coisas melhoraram um pouco quando soube que Clayton, do Figueirense, havia feito dois gols lá em Florianópolis contra o Boa Esporte e pedi aos rapazes adiantarem a marcação ainda mais para pressionar o sistema defensivo do Ceará que veio apenas pra cumprir tabela.
E foram os cearenses que marcaram em um contra-ataque de velocidade puxado por Williams e finalizado forte por Marinho e, naquele momento, o 1 x 0 estava nos rebaixando.
No entanto, Rossi havia marcado de pênalti lá em Curitiba contra o Macaé e Patric havia feito o mesmo lá no Rio de Janeiro contra o ABC dando ainda esperanças para o milagre.
Pedi aos rapazes que finalizassem mais e a resposta foi imediata. Maaroufi havia acertado o travessão e Lucas Dantas forçou Bruno a uma grande defesa.
Ali percebi que o empate seria uma questão de tempo.
Pouco antes do fim do primeiro tempo, Fabinho Alves havia empatado para o ABC lá no Rio de Janeiro e Giancarlo fez o mesmo pelo Macaé em Curitiba tornando-se um dos artilheiros da Série B com 15 gols.
Os resultados ainda estavam a nosso favor e só precisávamos de um gol.
Foi então que resolvi fazer algo inusitado. Ao invés de irmos para o vestiário, ficamos ainda no campo e dei as instruções aos rapazes com os cânticos da torcida ressoando nos ouvidos.
E a minha maluquice funcionou a contento. Em oito minutos, tínhamos virado o jogo com um golaço de Maaroufi por cobertura e outro feito por Reinaldo que aproveitou o cruzamento de Charles cabeceando sem chances para Bruno.
O inimaginável estava acontecendo. A permanência estava mais próxima e naquele momento, pensei como seria bom se o tempo congelasse ali.
No entanto, começou nossa série de desgraças.
Primeiro, Dos Santos havia virado o jogo para o Macaé nos deixando rebaixados mesmo com a vitória e depois, Williams havia empatado o jogo em um bate-rebate na área piorando ainda mais nossa situação.
Mesmo com Gegê fazendo o segundo gol do Botafogo lá no Rio de Janeiro ainda precisávamos de um gol nosso e que o Paraná empatasse para voltar a sonhar com a permanência.
Mas o pior ainda estava por vir.
Um novo bate-rebate na área e a bola resvala no braço de Maaroufi que estava colado ao corpo.
O juiz marcou pênalti e o protesto foi geral. O angolano tomou cartão amarelo por reclamação e eu também levei uma advertência pela reclamação acintosa.
Era um pênalti inexistente que nos condenaria ao rebaixamento. Eduardo não tinha nada a ver com isso, bateu bem o pênalti e fez o terceiro gol com Taguchi ainda tocando na bola.
Aí o desânimo foi geral. Mesmo com Rossi empatando o jogo lá em Curitiba, isso não mais adiantava porque precisaríamos de uma virada improvável.
Pouco depois, o jogo acabou e o silêncio foi sepulcral no Centenário. Ainda tinha algumas vozes isoladas protestando contra a diretoria e alguns jogadores, mas a maioria estava ainda atônita com o que aconteceu.
Apesar de todos nossos esforços, o Caxias foi rebaixado a Série C de 2018.
Por dois míseros pontos.
* * *
Depois de consolar os rapazes no vestiário, ainda abalados e chorando copiosamente, fui a entrevista coletiva e ali tive um clima bem diferente do ano passado.
Um clima de velório.
Ao menos, nenhum repórter fez perguntas impertinentes e fiquei pensando que se não tivesse sido demitido tão abruptamente, talvez tivesse garantido a permanência, mas os erros não podiam ser mais ocultados.
E o péssimo segundo turno também contribuiu para a queda. Certamente o trabalho de reconstrução será bem árduo e desafiador, mas continuo confiando nos rapazes e acredito que a vontade de redimir-se seja a motivação necessária para mudar isso.
No fim da entrevista, fiz uma promessa aos repórteres de colocar o Caxias de volta a Série B em 2019 e o reformaria em todos os aspectos.
Voltei pra casa sem ser incomodado por ninguém e contei a Lúcia o que aconteceu, mas foi justamente ela quem me deu a única boa notícia do dia.
Me contou que o Oeste havia subido para a Série B e muitos jogadores falaram sobre minha contribuição nessa conquista em suas entrevistas.
Fui ao berço para ver João Marcos que estava dormindo tranquilamente e fiquei pensando o quanto ele deve ter sentido minha falta, mas vida de técnico é assim mesmo.
Sendo desprezado em alguns lugares e idolatrado em outros, vencendo uns jogos e perdendo outros tantos.
Espero que um dia me entendas o porquê de não estar tão presente em sua vida, meu filho.
Afinal, o técnico de futebol vive uma vida de cigano, nunca ficando muito tempo no mesmo clube.
E no meu caso, ser treinador é praticamente um negócio de família. Meu pai foi, meus irmãos também são e talvez você, meu filho, um dia seja igualmente um treinador.
Mesmo com as agruras, o trabalho deve continuar.
CONTINUA...