A mosca
Minha morte: o zumbido de uma mosca pelo ar, sem que ao menos eu possa detê-la, pois não há veneno. Sem saber é ela que me mata aos poucos.
Impaciento-me e é como se quisesse arrancar o que de mais precioso há em minhas entranhas. Entranhas! Parece-me bonito usar essa palavra neste momento inoportuno, porque talvez eu consiga imprimir uma espécie de beleza neste texto que não promete muito. Não que o sentido dessa palavra seja belo, mas é como se eu pudesse encontrar no seu som uma espécie de resposta ao zumbido que ouvia.
Muitos já falaram de coisas mais asquerosas, como, por exemplo, uma barata. Mas o que falar do zumbido da mosca que eu ouço agora enquanto eu morro uma de minhas muitas mortes em vida?
Sobre meu cadáver essa quase marcha fúnebre: um zumbido. Mesmo que essa morte seja pequenina, pesa-me ao respirar.
Ela, a mosca, para e por alguns instantes revivo como os que têm esperança. Logo me surpreendo com seu retorno e sou obrigado a morrer de novo.
Talvez eu devesse partir para o corpo a corpo, mas a evolução deu a este inseto seu sucesso prévio nesse tipo de luta, eu, um reles mortal.
Não! Eu não tenho veneno. No momento eu e a mosca velamos meu corpo.