“A Nossa Pedra”
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Temos um local aqui na praia do Santinho que eu e minha mulher consideramos nosso. É uma pedra ou "a nossa pedra". Desde que iniciamos o relacionamento ela nos acompanha nas boas e nas más situações do casal.
Então, depois de quase uma semana em casa, preso por uma forte virose que me abateu exatamente na virada do ano, saímos para a nossa caminhada matinal na praia. Entrei o novo ano como um rei, sentado no "trono", literalmente.
Acordamos ao nascer do sol e descemos a pé para a praia. É a melhor hora, sem o calor forte de verão e com menos pessoas, apesar de estarmos nas férias e temporada. Essa época é um "inferno" aqui, com uma invasão de carros e de gente!
O dia estava nublado e ventoso; o mar cinzento e agressivo com ondas enormes de testas brancas. Vinham rajadas fortes do quadrante sul que nos empurravam, mas não nos impediam de andar pela areia da praia "machucada" pelas marcas da festa de virada do ano. Uma beleza selvagem se apresentava!
-Vamos até a nossa pedra? Estou com saudades dela, faz tempo que não vamos lá - pergunta minha mulher.
-Sim! Espero que não tenha ninguém na nossa pedra!
-Deixa de ser rabugento, Fernandinho, ninguém sabe que ela é nossa!
Caminhávamos contra o vento, que nos impedia que a marcha fosse mais acelerada. E as rajadas fortes nos jogavam a areia carreada que batia em nossas pernas como agulhas. Mas nada disso tirava a beleza e o encanto do lugar, pelo contrário, a acentuava.
Chegamos ao final da praia, junto das instalações do famoso resort que há aqui. Estava lotado, mas àquela hora da manhã os hóspedes ainda dormiam ou estavam desanimados pelo dia "feio". As cadeiras de praia vazias, à sua espera.
O caminho para a nossa pedra é o mesmo que leva às inscrições rupestres que existem na longa trilha que contorna o morro. Os desenhos milenares e famosos são uma atração forte aqui, por isso sempre há muitas pessoas passando. A rocha, nossa pedra, é junto a essa trilha e da praia. As pessoas sobem nela para tirar fotos. Nós não a usamos desta forma, é nossa confidente! Tenho ciúmes. Não gosto quando há pessoas nela, fico brabo.
De longe, vi que não havia ninguém sobre a rocha e fiquei feliz:
-Que bom, não tem nenhum chato lá!
-Vamos então, antes que apareçam, para assumirmos a sua posse, né Fernadinho! - brinca ela, sorrindo faceira.
Saímos da praia por uma escada de pedras bem assentadas e seguimos pela trilha costeando as instalações do resort, local em que acampei nas várias vezes em que vim aqui nos anos setenta. Naquele tempo, era tudo vazio, havia somente a estrada, de areia ainda e que terminava na porteira de um cercado no qual um senhor que cuidava de algumas vacas que pastavam nos morros, onde hoje estão estas construções do hotel, nos cobrava em torno de cinquenta reais para entrarmos e montarmos nossa barraca. "A nossa pedra" já estava lá nos aguardando. Bons tempos!
Seguimos, e quase junto a ela, uma enorme placa: "Não suba nas pedras! Risco de Quedas! ", colocada pelo resort.
-Ótimo! Assim, ninguém sobe nela, só nós!
-Eita, vamos fazer uma "indiada" né Fernandinho, mas vale a pena, é a nossa pedra de direito!
Subimos e sentamos na sua parte mais lisa, sobre uma toalha que trouxemos e começamos a admirar o mar forte e ressacado que batia na sua lateral, com as muitas fragatas voando, ou planando de forma majestosa e magnifica sobre nós, como que nos recebendo como os reais donos da pedra. Ficamos ali um tempo mudos, ouvindo o forte marulho das ondas, o vento engolfando nossas costas, o voo calmo e altivo dos pássaros, curtindo a paz que nos abate quando lá estamos na "nossa pedra"!
-Essa pedra tem muita história, sabe de muita coisa nossa! - ela diz.
-Sim, e saberá de muitas mais, com certeza, mas a nossa paz aqui é o que vale!
Pessoas que caminhavam pela trilha e nos viam ali refestelados naquela enorme pedra com um horizonte maravilhoso, deveriam com certeza, querer estar no nosso lugar, na nossa pedra!
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