“O Guarda-Sol”
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Acordei cedo como sempre e olhei como estava a manhã de verão. Encontrei um dia ensolarado de céu azul, mar anil e pouco vento, ótimo para dar uma nadada no mar. Nossa praia fica no extremo mais a nordeste da ilha, a quase trinta quilômetros do continente, em mar alto, lugar em que o vento e o clima podem mudar a qualquer momento. Por isso, devo ir logo, se não, o mar fica "encapelado" e a arrebentação aumenta, dificultando o nado.
-Vou dar uma nadada agora, aproveitar que o vento está fraco. - digo para minha mulher, que ficaria em casa aguardando o Jorge, o nosso "faz tudo", para continuar com os serviços de manutenção.
-Vai, Fernadinho, vai gastar a tua energia! Deixa-me cuidar do Jorge, pois, dois homens em casa dá muito trabalho! -diz em tom de gozação.
Peguei as minhas tralhas, pé de pato, óculos e palmar (nadadeira de mão) e fui caminhando até a praia. Estava já quente naquele horário, mas a brisa refrescava bem. O verão não estava tão tórrido como o do ano passado, mas de pouca chuva, seco e ventoso.
Chego e a visão do alto das suas dunas é linda, meio selvagem e o mar está com as ondas pequenas e tranquilas. Perfeito! Desço paramentado e entro em sua água cálida e aconchegante. Deliciosa! Atravesso a arrebentação calma e inicio o nado. Sigo por cerca de 600, 700 metros, saio e volto andando com a água pelas canelas para forçar as pernas. Vou até o local em que deixei, meio escondido na areia, junto de uma duna, a sacola com meu boné e óculos. Visto-os e subo um trecho baixo da duna para me secar - uso uma lycra de surfista para não esfriar o corpo, pois a água aqui é um pouco gelada, e proteção do sol. Sento sobre os meus tênis esgarçados e desbotados e aprecio a visão esplêndida que tenho. Uma maravilha!
Chama-me a atenção, então, uma mulher na orla do mar, que vem puxando um carrinho de praia com cadeira e guarda-sol, parando bem a minha frente. Observo-a, curioso. É de meia idade, baixa, corpo rotundo, usa chapéu e um biquíni preto de senhora.
Começa, então, a tarefa de se instalar. Tira a cadeira e a abre; depois, pega o "fura-fura", um sugador de "pvc" com êmbolo com o qual se chupa a areia para abrir buraco e colocar o cabo do guarda-sol. Percebo que ela não se atentou para a direção do vento e fez o furo "a olho", em sua direção. Pensei , esse guarda-sol, com o aumento do vento, vai voar!
Ela tira o cabo e o coloca no buraco, ficou curto! Faz novo buraco, quase ao lado do outro (?) e recoloca o cabo nele, esquecendo novamente da direção do vento. Assistia ao seu desempenho, curioso com o que aconteceria quando abrisse o guarda-sol!
Pega o guarda-sol e tenta encaixá-lo no cabo ainda fechado - deveria abri-lo primeiro contra o vento e colocá-lo no cabo depois. Demora alguns minutos nas várias tentativas, mas consegue.
"Agora quero vê-la abrir o guarda-sol a favor desse vento!".
Tenta, mas ele nem se mexe, fica fixo. Mais tentativas e nada. Teimoso, não abre de forma nenhuma, o vento não deixa!
Comecei a rir, pensando que ela teria que entrar por dentro dele e empurrar as hastes, pois o vento o impede de se abrir.
Dito e feito, ela tenta abrir um pouco para poder se esgueirar por entre as varetas e empurrá-las, mas como é "gordinha", fica mais difícil ainda. Eu, ria com gosto, porque mais parecia uma cena de cinema mudo do Carlitos.
Ela se debateu, viam-se somente suas pernas gordinhas e brancas com o resto encoberto pelo guarda-sol, como se fosse uma sombrinha humana.
Conseguiu finalmente abri-lo. Ele balançava bastante, seu cabo envergava com as rajadas e sua copa, de pano cinza claro e babados, era desfraldada violentamente. Mas ficaram ali brigando vigorosamente, o guarda-sol e o vento.
Assisti a tudo como espectador privilegiado. A cena foi bastante hilária. Mas não fiquei para ver se o guarda-sol se rebelaria e voaria com o aumento da intensidade do vento.
Dois dias depois, vou novamente à praia com o meu guarda-sol e o instalo, como deveria a senhora ter feito naquele dia, contra o vento. Não fiquei cômodo, modificando a sua posição, um pouco a favor da brisa, que não estava muito forte.
Sentei-me na cadeira sob a sua sombra, quando bateu uma lufada forte e intensa, levando ele em cambalhotas. Sai correndo atrás, agora era o personagens do filme mudo, conseguindo a muito custo pegá-lo, tendo o seu cabo batido no meu nariz como marca da sua rebeldia! Morremos pela boca!
Cenas de cinema mudo, realmente!
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