DISSABOR

Filippo debruçou-se sobre a amurada do cais. Dali, ele viu os barcos carregando turistas sobre o canal de Veneza. Pedalinhos com casais aparentemente apaixonados, algumas pessoas bebendo café em um dos estabelecimentos à margem do canal.

O homem sobre a amurada estava reflexivo, não havia nem ódio e nem amor, somente um vazio dentro de si. Ele não sabia dizer quando foi que tudo começou a desencarrilhar em sua vida, não sabia em qual caminho os sorrisos se perderam, nem para qual rio suas lágrimas verteram. Filippo apenas existia. Não tinha necessidade de se afirmar como pessoa, não sentia necessidade de se interagir. Vivia num limbo, um universo dentro do seu consciente.

Um casal de jovens apaixonados esbarrou nele.

— Sinto muito! — Desculpou-se a jovem agarrada ao seu parceiro.

Filippo não se deu ao trabalho de responder, contentou-se em somente observar. No passado, ele também já se apaixonou, seu coração ardera com o fogo desse sentimento devastador; hoje, no entanto, nem as cinzas existiam mais. Era desolador viver assim, sem perspectiva, sem destino. Ele era uma canção tocada em notas menores, lentas, tristes.

Alguns passos longe dele, risos eram perceptíveis, um grupo de amigos bebiam cerveja e animavam-se com qualquer coisa que Filippo não distinguiu. Ele se recordou das rodas com seus antigos amigos, quando ainda morava em Roma. Naqueles tempos, ele e seus colegas bebiam como se estivem com a última garrafa em mãos. Contudo, esses companheiros agora eram fantasmas, recordações de um episódio bom que se perdeu nas águas do seu passado.

Endireitou-se, e vagarosamente pôs-se a caminhar. Filippo já não enxergava a beleza das coisas, os inúmeros detalhes que tornavam as árvores mais verdes, os pássaros mais vivos, o vento mais fresco, o dia mais esplêndido.

Quando alcançou a rua, não se importou com os carros que buzinavam nervosos para ele, não se incomodou de estar atrapalhando o trânsito. Para Filippo, tudo se tornou vago, lúgubre. Continuou a andar; sua sombra projetada no chão era como um presságio. A sombra da Morte caminhava ao seu lado.

Felipe Pereira dos Santos
Enviado por Felipe Pereira dos Santos em 21/09/2020
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