“Miguero-San”

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Quando era menino, em meus 4 anos, morava no interior do estado e ia com meu pai a um córrego bem raso, em um moinho movido a água, me deliciar nadando pelado, lambuzando-me de barro. A água também estava sempre em minha vida em banhos de esguicho, de chuva, de enxurrada. Hoje, moro em uma lindíssima praia ao norte da ilha de Santa Catarina, com um mar maravilhoso à minha disposição, a qualquer hora. Privilégio!

Depois, maior, eu e minha irmã fomos aprender a nadar em uma escola de natação . Nadava o craw , ou o estilo livre e minha irmã, o costas, pois meu pai dizia ser este mais elegante e menos masculino.

Ir à piscina do clube era uma diversão e tanto para mim. Ficava na água até meus lábios arroxearem e meus dedos ficarem estriados como uvas passas. Minha mãe se exasperava na grade que separava a piscina da área social, me chamando com certa energia e brabeza.

- Sai da água, Fernando! Saia já! - dizia ela. Quando falava meu nome, era encrenca na certa, mas valia a pena.

Mas, era também fissurado em jogar futebol. Meu pai, observou que estava ficando com pernas grossas e peito estreito de pombo, parecendo ter corpo de mulher. Preocupado com o meu físico, disse que precisava desenvolvê-lo e me levou então ao clube para começar a treinar natação.

Os treinadores eram japoneses: Igai, mais velho e bem conhecido no meio aquático, pois treinara alguns campeões e a equipe brasileira de natação no Campeonato Sul Americano na Argentina, de 1962, e Miguel, seu assistente, que apelidamos de "Miguero-San". Os treinos eram todos os dias de manhã cedo e eu fazia de tudo para não ir. Não gostava da obrigação. Torcia para que chovesse, esfriasse, gripasse, enfim, qualquer desculpa arrumava ou inventava. Mas se fosse para jogar bola, nada me impedia.

Até que apareceu uma menina e me apaixonei. Nova moradora da rua paralela a minha, na qual jogávamos futebol , gol de "um passo" que ficava bem em frente à sua casa. Era nadadora de outro clube e acabei indo com ela nadar lá, como militante. Fui aceito e treinei por um breve período, até descobrir que gostava de outro nadador de seu clube, o que abalou os meus sentimentos amorosos de adolescente. Fiquei com os brios feridos e fui dispensado, pois perdera o interesse e faltava muito.

Voltei ao meu clube para mostrar que poderia ser um nadador tão bom quanto o seu "namoradinho". Reencontrei com os dois nipônicos, agora me empenhando bastante. Ao mesmo tempo, comecei a jogar polo aquático à noite, ou seja, água quase o dia todo. Meu cabelo era verde e duro de cloro!

"Miguero-San" era conversador, alegre, observador como todo bom japonês e falava com um forte sotaque, de difícil compreensão. Igai era mais fechado e menos falante, exceto quando tomava uma cervejinha, o que mudava completamente a sua personalidade, deixando-o risonho e conversador. Lembro-me que se justificava, dizendo-nos: "o corpo precisa de um pouco de álcool no Sangue! ".

Miguel sabia nadar somente o estilo clássico, mas nos intervalos entre as turmas, tentava aprender o livre, o costas e o borboleta, ou golfinho. Este último era o mais difícil, pela coordenação necessária.

-" Fernando-San, ajudo muito aprender nadar golfinho vendo você nadar, non!" - me disse uma vez, tempos depois, quando nos reencontramos casualmente na piscina. Estava mais velho, mas fazendo seu treino diário de 3 a 4 mil metros e competindo nos torneios master. Tinha acesso à piscina liberado pelo clube, reconhecido pelos serviços de anos, talvez mais de 40, na beirada da piscina. Merecido!

- É mesmo, não sabia! Fico feliz! Vai nadar agora, treinar?

- "Sim, sim! Treinar, mas non nadar borboreta mais. Corpo non guenta. Verinho ficando, ehehehe..."

É um dos poucos sobreviventes da bomba de Hiroshima, graças a água também, pois no exato momento em que houve a explosão, estava submerso em um dos canais da cidade em busca de peixe e ao voltar à tona, encontrou tudo arrasado. Perdeu quase toda a família. Até hoje é acompanhado e monitorado pelo governo japonês, que lhe faz os exames anualmente para verificar se está bem. Vai até lá para isso, o Japão paga todas as despesas.

Pulou na piscina e nadou calmo, tranquilo seguindo no seu treino diário de sobrevivente.

Parabéns Miguero-san, pela grande lição!

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 19/09/2020
Código do texto: T7067085
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