“O Último Adeus”

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Tivemos por mais de 15 anos, um casal que morou conosco como caseiros, a Dona Angelina e o seu Luiz, o "Gigio". Eram da cidade de Araras. Iniciaram a convivência conosco quando morávamos em Leme, cidade do interior paulista, próximo a Araras. Acompanharam-nos quando mudamos para Campinas e depois para a Capital, local em que permaneceram mais tempo conosco, quase 10 anos. Eram da família.

Tinham três filhos, dois homens e uma mulher e eram descendentes de italianos também. Ela era alta, forte, alegre, de olhos claros e cabelos castanhos encaracolados. Usava uma tiara e vestido, sempre. Nunca a vi de calças compridas. Tinha dentadura e brincava comigo e com minha irmã tirando-a e fazendo aquela boca murcha; ríamos com ela "pra" valer. Eu a adorava. Ela falava de modo doce, calmo e protegia a mim e a minha irmã dos rompantes nervosos de nossa mãe, pois eu era um traquina daqueles! Era um doce de pessoa e me criou também. Foi a minha segunda mãe!

"Gigio" era o faz tudo da casa, mas quebrava muita coisa, então meu pai dizia que tinha mãos de alicate. Fumante e palmeirense inveterado, escutava os jogos de futebol, no rádio de cabeceira à noite, em seu quarto. E eu ia lá ouvir com eles. "Xingava um monte". Minha irmã um dia chegou em casa e pediu ao nosso pai que abordasse com ele esse seu mau hábito! Tínhamos um Galaxie, do qual era o motorista, levando e trazendo minha irmã e suas amigas, momentos em que xingava os outros motoristas no trânsito de "lazarento, filho da p.", deixando-as constrangidas.

Dona Angelina era cozinheira de mão cheia, fazia um arroz com feijão delicioso e os bolos de chocolate que eu adorava. Ensinou muita coisa para minha mãe e vice-versa. Eram bem amigas.

Crescemos e eles voltaram para a sua cidade de origem, pois "Gigio" ficara bem doente do pulmão, fumava "Mistura Fina" sem filtro, o chamado estoura peito, e os filhos acharam melhor que ficassem mais próximos. A partida foi bem triste. Eu e minha irmã lamentamos muito.

Nossas vidas seguiram e perdemos contato. Às vezes minha mãe falava com ela por telefone, que sempre perguntava por nós.

- Como estão Fernandinho e Cláudia, moços já?

Em um desses contatos telefônicos contou que o "Gigio" falecera. Pena, o cigarro acabou com ele!

Muitos anos depois, eu com a construtora e um cliente amigo em Araras, fui saber dela, já que frequentemente estava por lá. Meu amigo conseguiu o seu endereço, é uma cidade pequena em que todos se conhecem.

Fui até a sua casa, toquei a campainha e quando ela abriu a porta eu disse:

-Oi Dona Angelina, tudo bem?

-Quem é? Fernadinho? Não acredito! É você? Entre, vamos tomar um café. Como você está diferente, de bigodes! Mas seu olhar é o mesmo, por isso reconheci!

Ficamos conversando um tempão. Contei sobre a minha vida, que casara, que tinha dois filhos pequenos. Perguntou, então, se eram levados como eu. Enfim, tivemos um delicioso reencontro, ainda mais que fizera um bolo de chocolate, como o dos bons tempos de criança.

Ao nos despedirmos, lágrimas dos nossos olhos caíram. Abraçamo-nos, dei-lhe um beijo carinhoso na face macia, dizendo-lhe:

-A Senhora foi a minha segunda mãe!

-E você, um filho também!

Saí de coração apertado, mas feliz por tê-la revisto e decidido vê-la com mais frequência, Não queria ficar mais sem contato com ela. Mas na semana seguinte, o meu amigo cliente de Araras me liga e fala:

-Fernando, a Dona Angelina faleceu anteontem. A missa será na terça feira da semana que vem.

Fiquei chocado com a notícia. Não acreditei, pois na semana anterior estivemos juntos, e estava alegre, saudável. Que coisa, para morrer, basta estar vivo!

Fui à missa e reencontrei seus filhos, contando-lhes o nosso reencontro.

-Ela queria te dar o seu último adeus! Ela nunca se esqueceu de vocês.

Fiquei feliz por tê-la visto antes da sua partida e de ter podido receber o seu último adeus!

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 19/09/2020
Código do texto: T7067084
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