Desventuras de Um Técnico - Temporada 2017 - Parte V - Recomeço em Terras Paulistas
Assim que cheguei a Barueri, vi o tamanho do problema que teria que enfrentar. Além das constantes mudanças de cidade devido a recusa da prefeitura de Itápolis em reformar o estádio dos Amaros, encontrei ainda um time totalmente descaracterizado pelas vendas de alguns jogadores-chave nas duas últimas temporadas como Roger Gaúcho e Wagninho.
Sem falar que esses problemas extracampo não só minaram o bom desempenho da equipe como foram um dos fatores para o rebaixamento do time para a Série C em 2015 e da péssima campanha de 2016 onde terminaram apenas na décima-terceira posição.
O plantel também tinha seus problemas com a carência de jogadores em posições importantes para a formação do time.
Imagine um time sem laterais esquerdos nem meias ofensivos pelo lado direito? Lógico que nenhum time funcionaria dessa maneira porque ficaria bastante capenga e pouco criativa.
Sem falar que tinha apenas dois goleiros.
Com o aval da diretoria, fiz uma lista de jogadores para preencher essas carências e os reforços foram bastante razoáveis.
Vieram os laterais esquerdos Juan Barbosa e Gilberto Ávila, este último indicado por mim. E da África vieram pro meio-campo o angolano Maaroufi e o ganês Asante, vindo do Asante Kotoko por empréstimo.
Também veio pra zaga o garoto Jackson Cunha, vindo de empréstimo do Bragantino indicado também por mim ao perceber que Daniel Gigante estava em seu último ano de carreira.
E promovi Gustavo Silva, um jovem goleiro de apenas 19 anos e muito promissor.
Nos treinos, vi que o time não é tão ruim como a mídia diz e que pra colocar os rapazes nos eixos, seria necessário algo mais psicológico e motivador.
Fiz minha estreia contra o ASA de Arapiraca e ao menos mantive meu bom desempenho em um jogo insano de sete gols.
O primeiro tempo foi um dos mais primorosos que vi em minha vida e o 4 x 0 foi fruto de uma grande superioridade com Cristiano marcando dois gols de puro oportunismo.
Mas o segundo tempo foi um dos mais horrorosos. O time relaxou demais e por muito pouco não cedeu o empate.
E na última bola do jogo, Ygor Guerra carimbou o travessão. Assim que o jogo acabou, notei duas coisas: uma, que a defesa precisava melhorar como um todo e outra que Paes não era o goleiro que eu procurava.
Decidi efetivar o garoto Braga Coutinho como titular no difícil jogo contra o líder Vila Nova de Goiás e Jackson Cunha na zaga deu a estabilidade que o time precisava.
Ganhamos por 2 x 1 com dois gols de Serginho e a confiança em uma boa campanha no segundo turno aumentou.
Mas vieram dois amargos empates em 2 x 2 contra Tupi e Londrina que me deixaram enraivecido ou como dizem os mais irreverentes, fiquei pistola.
Nas duas vezes, estivemos com a vitória na mão e cedemos o empate em lances tolos.
Contra os mineiros, Zeca fez uma falta desnecessária na pequena área e Daniel Morais cobrou-a com perfeição pra empatar o jogo e contra os paranaenses, foi ainda pior.
Num escanteio bobo, a zaga não subiu e Max cabeceou sozinho pra empatar o jogo no último lance.
Fiquei com tanta raiva que chutei a garrafa d´agua e quase quebrei minha mão ao dar um soco na parede da casamata assustando o repórter que estava do lado.
Fui ao vestiário e fiz uma reunião a portas fechadas com os rapazes pra dar uma carraspana no sistema defensivo pedindo pra diminuir o número de falhas defensivas nas próximas partidas.
E em um campeonato de pontos corridos, essa perda de pontos por falhas desse tipo é fatal.
Parece que o pessoal entendeu o recado e no jogo seguinte contra o Serra Talhada, foi um dos mais tranquilos com o time conseguindo uma convincente vitória de 2 x 0 com um gol no início dos dois tempos feitos por Wagner Carioca e Pablo.
Fora das quatro linhas, eu me virava como podia em uma cidade tão diferente como Barueri, mas quando voltava ao hotel é que senti o quanto a mudança me afetou.
Sinto falta de Lúcia e do meu filho e mesmo com as mensagens e os telefonemas que faço para ver como estão, não é a mesma coisa.
Mas a tabela foi caprichosa comigo.
Porque o jogo seguinte seria contra o São José, no Passo D´Areia.
E poderia vê-la junto com seu Flávio e dona Laura.
* * *
Assim que cheguei a Porto Alegre com a delegação do Oeste, comandei um treino leve com os rapazes no campo suplementar do Beira-Rio e logo depois fui a casa de meus sogros pra rever Lúcia e João Marcos e comer uma bela macarronada da dona Laura, já que meu estômago estava roncando.
Contei a eles minhas desventuras lá em Barueri e logo seu Flávio falou a respeito do São José que lutava ferozmente contra o rebaixamento e da frustração dele em não me ver como técnico da equipe.
Olhou-me de cima a baixo e propôs uma aposta comigo em relação ao meu bigode se o Oeste vencesse, eu a manteria e caso o São José vencesse, ele entraria em campo pra arrancá-lo.
Sem dúvida, ele estaria no camarote pra ver o jogo e tive a impressão de que eu ficaria sem bigode.
Nesse tipo de campeonato de pontos corridos, o pior dos adversários não é o que está brigando com você na ponta, mas sim aquele que luta contra o rebaixamento. Esse time jogará como se estivesse em uma final de Copa do Mundo e sem dúvida fará com que o adversário seja obrigado a jogar com todo seu potencial.
Até na preleção antes do jogo, contei a eles da minha aposta e pedi pra que jogassem pela minha “honra” e que tomassem cuidado com os contra-ataques perigosos do São José não se expondo tanto na defesa.
Mas nunca imaginaria que esse jogo fosse o verdadeiro “dia do não”.
Primeiro, Wagner Carioca levou uma entrada criminosa de Reinaldo logo no início tendo que sair com suspeita de fratura na perna e ainda no primeiro tempo, Igor Leandro tomou um cartão bobo e fui obrigado a fazer duas substituições por causa disso.
Depois, Cristiano acertou duas bolas na trave no mesmo lance e Serginho perdeu um gol dos mais feitos ao driblar o goleiro e chutar pra fora.
E finalmente, Joílson marcou um inacreditável gol contra ao tentar cortar um cruzamento pelo alto e deu uma cabeçada que acabou encobrindo Braga Coutinho.
No fim, não tive remédio senão pagar a aposta ainda no campo com o seu Flávio feliz da vida usando sua navalha de barbeiro com a precisão de um cirúrgico.
E o pior é que tudo isso foi gravado pra ir ao ar no Globo Esporte e certamente serei o personagem da semana na mídia tanto escrita como falada.
Despedi-me de Lúcia, do meu filho e dos sogros e voltei a Barueri sem bigode, mas orgulhoso pela evolução dos rapazes mesmo em uma derrota tão inesperada como essa.
Ainda tive uma boa notícia vinda do Departamento Médico com relação a Wagner Carioca.
Felizmente não houve fratura e ele ficaria duas semanas parado.
Mas o time teve uma perda sentida e os próximos jogos seriam ainda mais difíceis.
* * *
Durante os treinos, percebi que Asante estava bastante abatido e demonstrando a primeira vista, uma certa displicência.
Chamei-o a um canto e perguntei o porquê dessa atitude e ele me respondeu que além de não estar jogando bem, recebeu a notícia da morte de seu pai em Gana.
Sabendo disso, intercedi por ele ao presidente pedindo que o liberasse do jogo contra o Cruzeiro de Porto Alegre para ir ao funeral do pai.
Isso me deixou com um problema no meio-campo e temia queimar Maaroufi sem necessidade.
Resolvi adotar o 3-5-2 nessa partida colocando Murilo na lateral direita e deslocando Zeca para o meio-de-campo aproveitando suas características de passe e velocidade.
Era arriscado o plano, mas no fim rendeu um bom dividendo pra equipe.
Zeca não só jogou muito bem como ainda marcou o gol da vitória por 3 x 2 em um jogo dos mais complicados contra outro candidato ao rebaixamento.
O time estava crescendo como um todo e estávamos mais próximos do G-4 a cada rodada que passava com Cristiano marcando gols a torto e a direito como por exemplo, na sua cabeçada certeira que deu uma vitória importante sobre o Cuiabá.
Quanto a Asante, parece que voltou de Gana com mais gana de jogar e contra o Guaratinguetá marcou seu primeiro gol com a camisa do clube, mas a zaga voltou a falhar e Lourinho Fernandes empatou em seu primeiro toque na bola me deixando um pouco mais chateado.
O ganês ainda marcou um dos gols mais rápidos da história do clube contra o Villa Nova de Nova Lima com apenas 25 segundos de jogo, mas Rafael Gomes marcou dois belos gols e virou o jogo, nos deixando um pouco mais longe dos quatro primeiros.
Contra a Cabofriense, finalmente pus Maaroufi como titular e o angolano entregou uma atuação esplendorosa marcando seu primeiro gol como profissional e dando um passe açucarado para Moacri Anjos marcar o gol da vitória que nos fez chegar mais perto da quarta colocação.
Contudo, o empate inesperado contra o lanterna Globo por 1 x 1 acendeu um sinal amarelo e me aborreceu pela forma displicente que o time jogou após o gol de Willian.
O castigo veio merecidamente cinco minutos depois com o gol de cabeça de Jamerson e perdemos dois pontos importantes na luta pelo acesso devido a nossa autossuficiência.
Menos mal que vencemos os dois jogos seguintes contra os adversários diretos América de Natal e Luverdense em jogos bastante disputados.
Contra os potiguares, Moacri Anjos fez a diferença com dois gols de pura arte e sua grande atuação rendeu um lugar na seleção da rodada feita pelos jornalistas especializados e contra os mato-grossenses, foi um jogo de insanidade total onde abrimos 2 x 0 com uma cobrança de falta magistral de Cristiano e um golaço de Serginho depois de um carnaval particular, tomamos dois gols bobos em três minutos e novamente Serginho foi ao resgate no finalzinho aproveitando o cruzamento de Juan Barbosa e cabeceando no canto.
Essa vitória colocou o time no G-4 pela primeira vez e fiquei satisfeito com o desempenho dos rapazes desde que cheguei.
No entanto, senti algo estranho no ar depois que comandei o treino regenerativo de quinta-feira já projetando o jogo difícil contra a Portuguesa.
O presidente me chamou para uma longa conversa e fiquei sabendo que voltaria para o Caxias em uma troca por Roberto Cavalo, que estava em uma situação insustentável após a derrota para o Atlético Goianiense em casa enfrentando fortes protestos da torcida que pedia, entre outras coisas, a minha volta ao clube.
Ainda desconcertado com a notícia, pedi um tempo pra pensar e voltei ao hotel para falar com Lúcia a respeito disso. Ela ficou muito feliz com a notícia e me disse que estava já conversando com o dono do apartamento para um novo aluguel.
No dia seguinte, com o aval do presidente, reuni todos os jogadores para uma conversa no gramado e dei a notícia da minha inesperada saída do Oeste. Alguns dos rapazes acharam que foi uma brincadeira de mau gosto, mas o presidente disse a eles que a troca havia sido concretizada e Roberto Cavalo chegaria dentro de três dias.
Eu então me despedi dos rapazes com um forte abraço em todos e Cristiano perguntou se um dia eu voltaria ao Oeste.
Disse a ele que talvez poderia acontecer num futuro próximo e assim que recebi a multa rescisória, fui a São Paulo para pegar o avião de volta a Porto Alegre.
Durante a viagem, lembrei-me dos ensinamentos do meu pai a respeito de novas chances.
- Quando faz um trabalho muito bom, as portas estarão sempre abertas pra ti, filho. Nunca se esqueça disso – disse ele.
Meu pai estava certo.
Estou voltando novamente a Serra Gaúcha para rever meus guris e juntos tentarmos o milagre de escapar do rebaixamento.
E seguir minha missão de levar o Caxias a Série A do Brasileiro.
CONTINUA...