Uma surra inesquecível!
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Fui um moleque birrento, para qualquer um que me encarasse na rua, eu perguntava:
- O que foi, "tá" me olhando por quê? Nunca viu não?
Andava sempre com um pedaço de pau na mão para me defender dos maiores e impor respeito. Talvez fosse uma das formas de descarregar a enorme energia e inquietude que tinha; o esporte, outra. Era agressivo, competitivo e intenso.
Meu pai sempre falava, que no caso de entrar em briga, devesse bater primeiro para amedrontar o meu oponente. Dizia: o ataque é a melhor defesa! E assim passei a enfrentar quem me desafiasse.
Certa vez, estava na casa de um amigo vizinho, cujo irmão bem maior e mais velho que eu, ficou testando a minha paciência. Dei-lhe um soco na cara de surpresa, acertando-o de jeito. Enfureceu-se e partiu para cima de mim com tudo. Consegui fugir pulando o muro divisório de nossas casas, escapando de uma surra certa.
Em função desse meu comportamento agressivo, fui orientado pelo Dr. Gastão (nosso médico de família, clínico geral e cardiologista, que me acompanhou do nascimento à idade adulta), a lutar judô no clube.
- Ele precisa extravasar esta energia que tem - dizia.
Já faixa marrom, estava na escola, na fila que fazíamos antes de sair da classe. Era formada colocando o braço direito esticado no ombro do colega à frente. Nesse dia, o que estava atrás de mim ficou me incomodando e era bem maior que eu. Perdi a paciência e dei-lhe um "mata-leão"- uma chave de braço no pescoço. Fomos os dois para o chão e ele quase foi esganado. Fui parar na diretoria e recebi uma carta para meus pais irem à escola conversar. Quase fui expulso, não fosse por um dos meus tios, que era membro do Rotary, justamente a instituição mantenedora da escola. Então, em atenção a ele não o fizeram. Meu colega ficou com o pescoço roxo por um bom tempo. Mantivemos a amizade, apesar de tudo.
Assim era eu naqueles tempos de moleque. Birrento e briguento! Até que um dia, caminhando na rua em que morava, vinha o filho de um casal muito amigo dos meus pais (um "primo" emprestado), morador na mesma rua, pela mesma calçada que eu e em minha direção. Eu tinha meus 08 anos. Ele já adolescente e bem mais velho vinha rindo e ao cruzar comigo perguntou de forma jocosa e sarcástica:
- "Tá" com este pau na mão "pra" quê, vai bater em alguém, oh pirralho?
-Por quê? Vai encarar? - perguntei áspero e agressivo, pois estava de mau humor naquele dia.
-Não se enxerga não, oh filhinho da mamãe!
A sua resposta "me fez subir o sangue e partir para cima dele" tentado acertá-lo com o pedaço de madeira. Desvencilhou- se, maior e mais malandro de rua que era, pegou o bastão, me segurou pelo braço e começou a bater com ele sem dó, nas minhas pernas e nádegas.
-Vai seu pirralho, vê se aprende a respeitar os mais espertos, tá, seu filhinho de mamãe!
Depois das várias pauladas recebidas, fugi chorando, mas não pude ir me abrigar em casa, porque uma das regras de meu pai era a seguinte: se, depois de uma briga, voltar para casa chorando, apanha aqui também!
Corri, então, desenfreadamente para uma praça e fiquei lá por um bom tempo, acalmando-me. Voltei para casa já na hora do almoço, sendo que meu pai viria almoçar conosco. Eu estava de bermuda, olhei para as pernas cheias de vergões visíveis e tentei disfarçar ao me sentar à mesa, mas meus olhos avermelhados me denunciavam:
- Ferdis (ás vezes, meu pai carinhosamente assim me chamava), você está doente? Tá quietinho. O que aconteceu?
-Nada pai, nada! Tá tudo bem.
-"Tá" tudo bem mesmo?
-Sim pai, "tá"! Cai da bicicleta hoje e machuquei as pernas. Está doendo bastante. Respondi assim para esconder a surra de pau que levei e justificar os vergões, caso viesse a perguntar.
Esse inesquecível fato mudou a minha maneira de ser, passei a brigar menos e a não andar mais com pedaços de madeira na mão.
Tempos depois, já adulto e de ter perdido o contato com o "primo" da briga, o Paulinho, soube que falecera de leptospirose. Fiquei triste e o acontecido ficou mais marcado ainda nas minhas lembranças.
Foi uma surra realmente inesquecível!
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