Metralhadas

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No início dos anos setenta, enquanto cursava o terceiro colegial em um colégio de ensino fraco, fiz também 0 cursinho pré-vestibular. Ia em um pela manhã e ao outro pela tarde. Na época era comum fazer assim para conseguir entrar na faculdade. Tinha meus 19 anos.

Geralmente almoçava em casa e quase sempre comia feijão com arroz, que adorava. Às vezes, acompanhados de ovos fritos. Essa mistura gerava muitos gases, ficando eu "bombástico", tipo um canhão de metano e outros arranjos químicos que nosso organismo faz sem sabermos para que. Meu metabolismo era extremamente explosivo.

Sentava geralmente no meio da classe a ao meu redor poucos ousavam sentar, pois sabiam da minha frequente "explosividade" sonora e odorífica incontida.

Em um determinado dia, logo após o almoço, estávamos em uma aula de matemática. O professor chamava-se "Lapa". Era jovem, baixinho, rotundo, de cara bolachuda e estava no quadro negro desenvolvendo uma questão importante. Nós, em silêncio sepulcral, o acompanhávamos com atenção, pois já era quase final de ano e o vestibular estava próximo.

Assistia à aula sem vizinhança como sempre. E minha barriga começou a formar seus gases. Em dado momento, não tive mais como segurar, doía muito e lancei o torpedo, ou melhor, uma metralhada. Era forte no início, depois prolongado em uma mesma toada, terminando em tiros de festim: "ráaaa-tá-tá tá tá tá tá" e ecoou por toda a sala silenciosa.

A turma escutou em silêncio o longo desenrolar desses " tiros" e desatou a rir. O professor, de costas para a classe, giz na mão, parou de escrever e virou-se para nós. Esperamos calados a bronca que eu receberia. Após alguns segundos, olhando-me com firmeza, ele diz:

-Nesta turma há pessoas que não tem nenhuma consideração e educação para com seus colegas e professores. Que falta de compostura! Espero que isso não se repita mais. É muito feio e deselegante, ainda mais na frente das moças.

-Ele é o "peidoreiro" da classe, mestre. - diz um colega me olhando, colocando "lenha na fogueira", enquanto os colegas continuavam rindo.

Fiquei com um sorriso "meio amarelado". Ele se voltou para o quadro e reiniciou a matéria. Mas percebi um olhar de gozação, pois no cursinho, todos os professores eram muito brincalhões.

Minha barriga continuava rebelde, parecia um vulcão, era pura erupção. Não sei se por causa do repolho azedo de minha mãe que eu havia comido. Novamente não me contive. Minutos depois da primeira metralhada, lá se foi a segunda, essa com um som bem mais alto e longo. Não me aguentei e a turma também não, a gargalhada foi geral e longa. Um tremendo alvoroço tomou conta de todos, pois ninguém imaginaria que eu seria capaz de fazer novamente e em tão pouco tempo.

Lapa, o professor, ainda de costas para a classe, o braço alongado e com o giz na mão, sacolejava os ombros e as costas de tanto rir. A "risadaria" durou um longo tempo, só então ele se voltou para nós com um enorme sorriso no rosto, braços pendentes pelo corpo encurvado, como que se rendendo ao fato hilário e inusitado que acontecera. Inesquecível!

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 17/09/2020
Código do texto: T7065357
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