... fim do primeiro parto

- ...

- Você vai mesmo?

- Vou.

- Isso não era necessário.

- Eu sei.

- Então por que vai?

- Agora é necessário.

- Não quer repensar?

- Não.

- Foi tudo tão rápido!

- Pra você.

- Por que você não falou antes?

- Dei a entender.

- Mas não falou.

- Você não é burro.

- Eu sou louco por você!

- Eu também sou louca por mim, por isso eu vou.

- Você nunca me amou.

- Loucamente.

- Então por quê?

- Não sou mais louca.

- E se eu não deixar?

- Tenta.

- Você vai me arruinar!

- Pra mim você já está arruinado.

- O que é, você se acha a gostosa, é?

- Não, eu sou.

- Você é muito petulante!

- E você cafajeste.

- Não me fale assim!

- Quer que eu fale em grego?

- Você sabe o que eu sinto por você.

- E você sabe o que eu sentia por você?

- Você não demonstrava.

- Queria que eu ficasse sempre de quatro pra você?

- Nossa vida era boa.

- Pra quem?

- Eu tentei.

- O quê?

- Você não vai.

- Por quê?

- Porque você me ama, Odete, porque você precisa de mim, eu sou tudo pra você, Odete, e eu sei que nada pode nos separar, eu sei que tudo que você precisa eu posso te dar, você não vai arrumar outro homem igual a mim, Odete, eu estou aqui para satisfazer todos os seus desejos, já conheço todas as suas vontades, todos os seus medos, todos os seus sonhos, Odete, já conheço todo o seu corpo, seu hálito... seus desejos... seu íntimo... seu beijo... seu ardor... sua maneira de amar...

- Gozou?

- O quê?

- Gozou?

- Não brinque comigo!

- Ora, por favor, não me goze!

- Eu te amo!

- É necessário, para que você continue vivo, afinal, amar é viver, não é mesmo?

- Sua vadia!

- Ui, ficou exaltado, meu amor? Ora, quem deveria estar exaltada aqui era eu, eu, eu mesma! A rejeitada pela família do marido, a corneada pelo safado do marido, a estuprada pelo cafajeste do marido, a mal-amada pelo corno do marido, e, por fim, a mulher, na mais clara concepção de fragilidade, dedicação, resignação, obediência, subserviência, meu Deus, o que é isso? Eu, subserviente? Eu, que sempre fui tão dona de mim, que sempre fiz parte do mundo, que sempre tive um lugar ao sol e à chuva, que sempre primei pela igualdade entre os homens, que olhava o horizonte na mesma linha horizontal dos meus olhos, eu que... eu que... me amo, porque sou gente, um ser humano, uma mulher... uma mulher... que chora!

- Não chora, meu amor, não chora.

- Desculpe.

- Não se desculpe, me culpe apenas, sou eu, eu o culpado por tudo isso, eu que não vejo a um palmo do meu nariz, não percebo você como deveria, sempre ao meu lado, me apoiando, me incentivando... me amando! Não, agora tudo vai mudar, tudo vai mudar, meu bem, eu não serei mais esse marido egoísta que você tinha e ainda amava, não, não mesmo! Minha família agora em segundo lugar, amantes nunca mais, meu amor, nunca mais, vou tratar você como uma rainha, meu amor, como uma rainha... eu não sabia que você era mal-amada, não, não sabia, sempre pensei que... eu sempre pensei que... pera aí, pera aí... eu não entendi muito bem, meu amor, esse... esse negócio de corno, você falou que... você me chamou de corno... por que você me chamou de corno? É simbólico, não é?

- Não, é parabólico! Você, assim como a besta aqui, tem uma antena na testa, você foi muito sujo comigo, Wesley, e eu...

- Sua desgraçada...

- Vai ficar putinho agora, é? Eu é quem deveria... desgraçado... desgraçado, por que você não bate na sua mãe? Covarde, corno, ai!... ai!... ai!...

- Some.

- Nunca.

- Some!

- Não.

- Quer apanhar mais?

- ... eu te amo.

- ...

- ...

- ... eu te amo.

FIM DO PRIMEIRO PARTO