Para Quem És, Bacalhau Basta!
Minha mulher fez uma sardinha em lata acebolada muito gostosa, que comíamos no jantar daquela noite.
- Está ótima! - eu disse.
- Adoro sardinha - responde ela.
- Eu mais ou menos, mas em tempos de quarentena, temos que gostar de tudo, não é? O prato me fez lembrar do meu tempo de moleque, quando eu ia com meu pai para Santos. Na divisa com São Vicente ficava um dos cinemas que ele tinha em sociedade com meu tio e lá havia um boteco de um português que fazia uma deliciosa sardinha fresca na brasa - continuei lhe dizendo.
- E era boa?
- Sim. Ele as assava bem na entrada do bar em uma churrasqueira de tambor, só no sal. Comíamos com limão. Era uma delícia - falei, quase sentindo seu cheiro em minha lembrança.
- Deveria ser ótima mesmo, com peixe fresco não tem erro - completou ela.
- Eram muito gostosas essas viagens a Santos nos idos dos anos setenta. Eu e meu pai, em sábados de sol, descíamos a Serra do Mar pela Via Anchieta em um Sinca Chambord branco, saia e blusa, com capota vermelha. Eu aproveitava a praia limpa daquela época e depois almoçávamos no portuga das Sardinhas. Bons tempos! - continuei dizendo.
- Imagino.
- Lembrei também agora que em uma das idas a Salvador, na época das consultorias da Petrobras, fomos comer um bacalhau muito bom no restaurante de nome Bacalhau do Martelo -seguindo eu a conversa.
- Bacalhau do Martelo? Como que era? Que nome, Fernandinho! Era uma martelada no estômago? - fala rindo.
- Era um boteco também como o do portuga lá de Santos. Ficava no andar térreo de um predinho de três andares, em um mini shopping, perto do nosso hotel.
- Conta logo como era esse bacalhau, estou curiosa! - disse ela ansiosa.
- Éramos quatro auditores e sentamo-nos em uma mesa na entrada do restaurante. Então, sai da cozinha um homem barbudo com cara de português e vem em minha direção. Deduzi ser o Martelo, dono do local, então o cumprimentei e já perguntei se era ele o Martelo - ele me encarou tranquilo, parecendo ser uma pergunta comum e frequente e respondeu assim, rindo e parando na minha frente junto a nossa mesa: - "Não, não é o meu nome, não". E meus colegas desataram a rir da minha pergunta.
- Só imagino, pois você nem deixou o homem chegar direito e já foi perguntando, Fernandinho! - fala curiosa para saber da história.
- Pois é. Ele então disse "pra" nós na mesa: - "Bacalhau do Martelo é da época da vinda dos portugueses com a família real ao Brasil e para a Bahia, porque o peixe vinha de Portugal coberto com bastante sal e as peças ficavam expostas ao ar livre nas vendas. Era comida de pobre. As pessoas escolhiam o pedaço e o vendeiro batia na peça escolhida com um martelo para tirar o grosso do sal. Daí o nome do restaurante! "
- Que interessante! Não sabia disso - comentou a minha mulher.
- Eu também não e foi muito interessante esse fato. Pitoresco! Mas não parou por aí, ele continuou a nos dar uma aula de história do Brasil, dizendo: - "Hoje, o bacalhau virou comida de rico, mas na naquela época, era de pobre. Inclusive há uma frase muito comum dos portugueses, que diz: para quem és, bacalhau basta! referindo-se a pessoas simples, insignificantes, sendo esse peixe, portanto, bom o bastante para elas. "
- Muito interessante essa aula de história que tiveram com o Martelo, que não era o Martelo, né, Fernandinho? Mas o que mais me interessa é saber como serviram o bacalhau e se era bom - questiona ela, gulosamente.
- Sim, esteve muito bom. Mas para nós não foi um - "Para Quem És, Bacalhau Basta" - porque foi bastante caro.
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