Quem Tem Fama Deita Na Cama
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- "Tá" com o bicho carpinteiro hoje, Fernandinho? - perguntava minha mãe pela extrema atividade e agitação quando pequeno. Era muito inquieto, curioso e sempre maquinando brincadeiras, algumas sem medir consequências. O que, na maioria das vezes, terminavam em acidente e castigo. Era moleque com todo o direito de ser.
Lembro-me de algumas delas, como no dia em que, curioso como era, estava no quartinho de passar roupa e vendo o ferro desligado sobre a tábua, peguei-o, liguei e comecei a me questionar como é que esquentava e o que teria dentro dele para que ficasse pelando. Era um mistério para mim, mas como toda criança, perdi logo o interesse e sai para outra brincadeira deixando-o esquentando sobre a tábua de passar. Fui infantilmente irresponsável.
Um tremendo cheiro de madeira queimada fumaçando pelo quarto todo começou a sair pela janela e pela porta.Vendo o que acontecia e sabedor do que ocorreria comigo pela minha traquinagem, subi rápido na árvore que havia no quintal dos fundos da casa, bem quietinho como um gato, tentando passar despercebido.
- Fernando! O que você fez, colocou fogo no quarto de passar roupa? - escuto o gritar de minha mãe com sua voz fina e braba.
Eu, no alto da árvore, por entre os galhos a observava. Achou-me, claro!
- Ah, você está aí? O que você fez? Quase põe fogo na casa. Desça já! - fala imperativa minha mãe.
Dona Angelina, que está junto de minha mãe, me olha preocupada. Ela morava conosco, cuidava da casa e era quem passava as roupas. Era a minha protetora, pois sabia da minha agitação e me entendia mais do que minha mãe.
As duas ficaram, embaixo da árvore por um tempo, esperando que eu descesse. Fiquei a tarde toda lá agarrado ao tronco grosso e corrugado da árvore, com medo do castigo.
De tempos em tempos vinha Dona Angelina, me olhava e pedia:
- Desce Fernandinho, vem! Olha, eu fiz aquele bolo de chocolate que você gosta. Sua mãe já está mais calma e não vai mais te castigar. Vem! - falava ela mostrando o prato com um belo pedaço de bolo que cheirava maravilhosamente bem. Deu água na boca, mesmo agora, de memória. Era delicioso mesmo, inigualável e inesquecível.
Contive-me e não desci. Confiava nela, mas não queria correr o risco com a minha mãe.
A noite chegou junto com o meu pai, que veio até a árvore e me chamou:
- Fernandinho, desce meu filho. Sei que você não fez por querer, mas quase colocou fogo na casa - diz ele brandamente.
- Desço não, pai! Eu sei que a mamãe vai me castigar. Eu não fiz por querer, é que fiquei curioso "pra" saber como funcionava o ferro e esqueci ligado. Não queria pôr fogo na casa não, pai! - falo com voz embargada e chorosa.
- "Tá" bom. Vou falar com ela para te perdoar. Venha jantar!
Desci da arvore, meu pai me olhou marotamente com um leve sorriso pela minha molequice e fui com ele jantar. Minha mãe e minha irmã já sentadas à mesa me olham. Dona Angelina, está em pé junto à mesa.
- Porque você deixou o ferro ligado? Quase pôs fogo na casa. Não pode ficar mexendo nas coisas da casa assim, é perigoso. Tem que se acalmar meu filho! - fala mais leve a minha mãe, certamente acalmada pelo meu pai.
- Ele não fez por querer, a senhora sabe, ele é moleque, mas bonzinho - fala Dona Angelina a meu favor. Meu pai assentiu. Minha irmã me olhava de olhos arregalados como sempre quando acontecia algum problema comigo.
Não fui castigado naquele dia graças ao meu pai e a Dona Angelina. Comi depois o seu delicioso e inesquecível bolo de chocolate.
Minha vida seguiu sempre com algum apelido, pelo que fiz ou não, igual ao ditado que diz: "quem tem fama, deita na cama". Pois é!
Lembrando-me desse episódio da minha meninice fiquei curioso para saber como surgiu o termo "está com o bicho carpinteiro", fui procurar o significado e achei: Expressão erroneamente usada para dizer que a pessoa está inquieta, agitada. O correto seria dizer "bicho no corpo inteiro". Acho que ele esta comigo até hoje!
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