Meu pé de Maracujá
Todos os dias após as refeições, sentamo-nos, eu e minha mulher, na varanda do nosso chalé. Chamo o local de "Salão Verde". Tomamos o nosso café, apreciamos a paisagem e relaxamos. Nesta época de outono, os dias são lindos, de cores vibrantes e as noites frescas de céu limpo e estrelado.É a melhor estação do ano!
- Veja o pé de maracujá, está crescendo ao longo da grade - observo.
- Sim, está subindo agora. Demorou bastante para se desenvolver - responde.
Realmente, sempre que sentávamos ali e olhávamos para o verde da cerca viva, estava ele escondido, pequeno, despercebido. Agora era notado. Dias após dias se passavam e ele continuava silencioso e inexpressivo, atrás da folhagem vigorosa das schefleras e alamandas. Esta sim, se sobressaindo com suas lindas flores amarelas, tirando qualquer atenção que não fosse para ela, egoisticamente, e com razão.
Então, um dia, a sua fina ponta surgiu por detrás do mourão. Era somente um leve ramo a balouçar ao vento acima das folhagens, mas firme e forte.Ele nascera.
- Olha a ponta do maracujá ali junto da pilastra da cerca, acima da scheflera! - falo para minha mulher. Estávamos na varanda em noite de lua cheia, fresca e agradável.
- Sim, ele agora parece que "acordou".
Ela desce, vai até ele, pega a sua ponta e coloca-a para o lado direito da grade para que siga nesta direção.
- Vou colocar para este lado. Ele quer subir no telhado dos apartamentos. É rebelde como você, Fernandinho. É de pequeno que se torce o pepino, não é? - fala brincando. Assisto sorrindo a sua ação.
Volta a sentar-se novamente ao meu lado e diz:
- Demorou um tempão "pra" chegar até esse ponto. Acho que preciso colocar um pouco de terra boa na base para fortificá-lo.
- Vamos apostar quanto tempo vai demorar para ele encontrar a scheflera do outro lado? - provoco.
- Apostar, Fernandinho? O quê?
- Não sei!
- Vou pensar e depois te falo. - diz faceira.
- Então até quando ele chega lá? Quantos dias mais? Você que entende de mato, horta, tudo que é verde, dê seu palpite - instigo-a!
- Uma semana! E você?
- Uma semana pode ser cinco ou sete dias? - replico.
- Sete dias! E você, vamos, dê seu chute! - responde ela.
- Quatro dias! Fechado?
- Fechado.
Nos dias que se seguiram, todas as vezes em que sentávamos no "Salão Verde", acompanhávamos o nosso pé de maracujá em sua caminhada solitária para ver quem ganharia a aposta, ainda indefinida. Era um bom programa, uma forma a mais de distração, nestes tempos de quarentena do Covid-19.
Chovera na noite anterior, estava já no meio do trecho a ser percorrido e focando na aposta, ela aponta para ele e comenta:
- Ele caminhou nesta noite, hein? Acho que foi a chuva de ontem. Hoje faz quantos dias da nossa aposta?
- Três dias! Acho que você vai ganhar, pois amanhã completam os quatro dias que apostei e não vai andar mais metade - digo desanimado.
- Será? Mas pode chover novamente esta noite.
Não choveu e no dia seguinte, logo depois do jantar, sentados no "Salão Verde" como sempre, vimos que o danado do pé estava imbicando seu fino cabinho encaracolado para cima, ao invés de caminhar para a direita. O fato me deixou desconfiado. Minha mulher é brincalhona e poderia ter, durante o dia, mudado a direção dele sem que eu percebesse, reduzindo ainda mais a distância percorrida.
- Acho que você mudou a direção dele para cima para ganhar a aposta? Foi? - pergunto, olhando-a de forma jocosa.
- Ahh, eu pensei a mesma coisa de você!
- Então empatamos, pois ele não está mais indo na direção na qual apostamos.
- Fernandinho, você está querendo mudar as regras no meio do jogo? Não vale assim!
Rimos das nossas mesmas desconfianças, esquecendo que o pé de maracujá tem vontade própria, independente das apostas que fizemos.
- Bom, vamos então acompanhar como ele vai resolver essa questão, sem interferirmos. Nada de torcer o pepino. como disse! - falo vivamente.
- Eheheh, você é espertinho, né? Está perdendo e não quer admitir. "Tá" bom, vamos ver como ele vai seguir agora, mas que eu iria ganhar, iria.
- Já ganhou, querida!
Mesmo que a aposta tenha sido desconsiderada, estamos acompanhando diariamente o seu caminhar, aguardando qual será a sua definição, se sobe para o telhado ou segue para a direita pela grade.
Vamos aguardar, pois tempo temos!
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