Vicente

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Vicente tem sete anos, cabelos negros lisos e é agitado e esperto. Encontrei-o na sala de espera da minha dentista, naquele dia. Cheguei e sentei enquanto ele brincava com bonequinhos de super-heróis em companhia do pai. Olhou-me curioso.

Estávamos todos de máscara, mas seus olhos negros eram muito vivos.

Estava com seus pais: ele sentado em uma poltrona à minha frente; ela ao meu lado. Deduzi ser sua mãe porque acompanhava atenta suas brincadeiras. O fato se confirmou quando ele veio até ela, colocou-se entre a cadeira que nos separava e perguntou com sua vozinha infantil:

- Posso ir dormir na casa do papai hoje? Ficou de costas para mim, mas olhei-o com curiosidade, pois queria ver o seu rostinho. Voltou ao seu pai e continuaram brincando, mas também curioso, olhava-me de soslaio.

Em dado instante, veio bem perto e então aproveitei e puxei conversa.

- Você veio mostrar seus dentes pra dentista?

- Sim! - enfático.

- Eu também!

- Você também quebrou o dente?

- Quebrei faz muito tempo, acho que com a sua idade?

- É mesmo? Como foi que você quebrou?

- Andando de carrinho de rolimã.

- Carrinho de quê?

- Quando eu era garoto como você, brincava com meus amigos na rua e tínhamos esses carrinhos de madeira com rodas metálicas, chamadas rolimãs, parecidos com os skates hoje, mas sem ficar em pé neles.

- E como quebrou o dente?

- Fui andar na rua, deitado nele de barriga e cai em um buraco, indo de boca pro chão.

- Noossa! Teve que trocar o dente?

- Não, naquela época, como você aqui hoje, fui ao dentista com a minha mãe, que consertou o dente e ele ficou bom. Quer ver?

Conversava comigo bem perto, com a sua mãozinha direita apoiada em minha perna, já meu amigo.

- Mas antes de lhe mostrar, preciso saber o seu nome?

- Vicente! - responde ansioso.

- Quantos anos você tem, Vicente?

- Sete.

- Ah, tá bom. Agora se afaste um pouco para que eu possa tirar a máscara e mostrar o meu dente quebrado consertado.

Ele dá um passo atrás e, de olhos fixos, espera que eu tire minha máscara, o que faço.

Mostro meus dentes e no quebrado, hoje quase imperceptível, coloco o meu dedo apontando-o.

- Ué, quebrou qual? Tá inteiro. Você está brincando comigo, né?

- Não, é este mesmo. Viu como ficou bom? Mostre o seu agora. Venha até a sua mãe e tire máscara para eu ver.

- Posso mãe?

Vicente corre até a mãe que lhe tira a máscara. Depois mostra a sua boca, seus dentes de leite e dois frontais definitivos na arcada inferior, um destes quebrado. Ele sorri meigamente com o buraco entre eles.

- Quebrou mais do que o meu, hein! Tem agora uma janelinha, né?

Nesse instante, a doutora sai de sua sala, vem em nossa direção e fala comigo:

- Bom dia. Vou só dar uma olhadinha nele e depois te atendo. É rapidinho, tudo bem?

- Sim claro. Boa sorte, Vicente!

- Tá.

O casal, mais Vicente alegre entram no consultório. Estranhei a sua alegria.

Minutos depois, a porta se abre e sorridente ele vem até a mim dizendo:

- Agora vou tomar dois sorvetes!

- Que delícia! E qual sabor vai pedir?

Fica pensativo, demorando a responder. Eu sugiro:

- Vamos ver. Limão?

- Não!

- Manga?

- Nãoooo!

- Ah, claro! Chocolate.

- Pode ser. Melhor, né?

- Ou brigadeiro?

- Sim, dois de brigadeiro. Muito, muito melhor! - responde excitadíssimo.

Os pais com a dentista também caminham até nós, despedindo-se.

- Vamos? - chama-me ela para a sessão.

- Tchau Vicente, aproveite seus sorvetes de brigadeiro.

- Tchau - respondeu animadíssimo com os sorvetes que tomaria.

Quinze minutos depois, já liberado, caminho até o meu carro e vejo os pais do Vicente conversando. Ele está sentado no banco de trás do carro da mãe que está ao lado do meu. Ele me acena pelo vidro, com um picolé na boca, ela entra e desce o vidro elétrico para que ele possa falar comigo:

- Esse é o segundo de chocolate, não tinha de brigadeiro - diz faceiro.

- Opa, que delícia, hein!

- Agora lá em casa vou tomar mais dois, de "macarujá". Eu adoro sorvete de "macarujá".

Despedimo-nos, ele alegre, acenando de sorvete na mão, indo para a sua casa tomar os de "macarujá" e eu, rindo da sua vivacidade e singeleza. As crianças nos fazem muito bem.

Inesquecível, o Vicente!

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 05/09/2020
Código do texto: T7055295
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