ENTRE O DIA E A NOITE. Parte um.
E choveu!
Choveu mesmo! Com direito a ventos, pingos grossos, enchentes, e buracos nas ruas virando verdadeiras crateras alagadas. Choveu com direito á todos os seus típicos estereótipos; mas Pedro pareceu ser o único que não esperava isso. Saiu de sua casa convicto de que a garoa jamais viraria chuva forte; tão certo estava de sua presumida previsão que ele não levou nenhuma coisa com que se proteger, nem capa nem guarda-chuva. E a chuva estava cada vez mais forte, mas Pedro não percebia. Gostava de praticar o que ele chamava de “yoga caminhante” e, enquanto andava, deixava seus pensamentos tão diversos como “qual – é – a – cor – do – carro – que – passou” e “qual – era – o – nome – do – elefante – do – circo – que – eu – fui – cinco – anos – atrás” vaguearem soltas, apesar de não suportar o fato de deixar sua cabeça flutuar sobre coisas fúteis; Pedro sabia que nesses momentos ele fazia os planos mais absurdos, construía sonhos inalcançáveis e tinha plena certeza da capacidade de realização de cada um deles, uma certeza que sempre se revelava falsa. Depois se martirizava quando enxergava suas limitações.
“Não serei nada, não serei nada... pensando em nada!” Pensava consigo mesmo na rua, e foi então que notou que a chuva estava forte. Sentiu a água molhar os seus cabelos longos, sentiu as frias gotas caindo em sua pele, em contraste com o clima quente, e sentiu sua camiseta molhada colar em suas costas, o gelo que percorreu até seus pelos e o frio que ele sentiu depois. Decidiu parar em algum lugar.
“Não serei nada, não serei nada... pensando em nada”, repetia em sua mente, tantas vezes que até começava a fazer uma música dessa frase. Tinha ritmo, um hardcore grudento, quase um punk, e essa frase era o seu refrão. Divertiu-se com essa idéia, e novamente pensava em nada.
“Os carros passam, a água levanta do chão... A chuva cai do céu, a água molha o chão! Conclusão tola! Aquele estribilho não sai da minha cabeça; enlouquecerei com ele, mesmo sendo estranho e estúpido enlouquecer pensando em nada, em nada... e não sendo nada. Que forma estúpida de enlouquecer, que forma estúpida, estúpida... Mas pare! Não enlouquecerei, sequer serei nada. Serei alguma coisa, serei algo! O quê? Ah, o Pedro. Sim, serei o Pedro, serei algo, o Pedro... Sendo o Pedro sou algo, sou algo sendo o Pedro; he, he! Não enlouquecerei!”.
Pedro havia se abrigado debaixo de uma marquise, na porta de um bar; bar que estava fechado, porém em sua parede estava escrito “Abrimos ás oito horas da noite”. Pedro olhou seu relógio, sete e meia. Sentiu-se como se estivesse atrasado para algo importante, não adiantado, apesar de que ele provavelmente não entraria no bar. Ficou ali na frente.
“Há, menina sem vergonha!” Falou meio alto, depois de sorrir. Pedro se lembrava dos últimos acontecimentos de seu dia. A menina em questão era uma amiga de uma amiga dele, da Letícia. Essa Letícia sempre gostara dele, mas nunca havia expressado para Pedro esse sentimento, e acabou cometendo a tolice de apresentá-lo á sua amiga, um pouco mais nova e até mais bonita, da qual agora o nome me foge. Pedro esqueceu completamente Letícia e passou a conversar apenas com essa amiga –papinho fútil, sobre escola, alguns filminhos comerciais e descartáveis, algumas musicas pop, sempre tentando encontrar um ponto em comum entre eles-. Quando a menina saiu para buscar algo para mostrar para eles, Letícia viu aí uma chance de tentar alguma coisa com Pedro; e disse-lhe, tentando ser a mais perspicaz possível:
-Você não acha que poderíamos conversar a sós em algum outro lugar, Pedro? Não tem ninguém em casa...- Essa foi a perspicácia de Letícia!
Pedro ficou olhando para onde a menina havia descido, e pareceu não compreender o que Letícia dissera. Ela perguntou-lhe:
-Pedro; você está me ouvindo?
Ha, sim, sim; estou te ouvindo –Respondeu Pedro-; mas por quê sua casa? Está ótimo aqui! –Fez uma pausa -Sua amiga está demorando..., Você faz um favor para mim, Letícia?
-Sim, pode pedir...
-Eu vou até o banheiro, e você fale bem de mim para a sua amiga. Sei lá, diga que sou muito inteligente, que sou sensível –isso é muito importante, que sou sensível!- e que sou muito divertido. Gostei dela, Lê; faça esse favor para mim!
Letícia meneou a cabeça afirmativamente. A menina voltou logo em seguida.
Pedro ficou radiante. Conversou de forma mais expansiva; falou alto, riu alto, e até cantou uma musica muito famosa, que ele detestava, mas ela gostava. Depois pediu licença, e foi pro banheiro.
Mal conseguiu urinar, de tanta ansiedade. Pedro estava pronto para qualquer coisa: Camisinhas no bolso, dinheiro num outro –caso necessitasse -e a alegria ostensiva de quem está prestes a marcar um gol. “Ela me acharia louco se eu gritasse ‘gol’ logo após beijá-la”. E sorriu. Com satisfação; aproveitou que estava sozinho, e deu aquele largo sorriso que jamais daria na companhia de alguém. Saiu do banheiro.
“Que menina sem vergonha!” Continuava a pensar Pedro, na frente do bar. “Não consigo entender o quê se passa pelas cabeças desses seres; logo a Letícia, que conheço tão bem! Por quê elas foram embora, enquanto eu estava lá, no banheiro, mijando? O quê a Letícia disse para a garota? Como vou compreender uma atitude dessa? A Letícia sempre foi minha vizinha, sempre me ajudou nessas horas... mas vai compreender! Bom, esquece! Depois sou eu quem fica louco!”.
A chuva mal havia diminuído, quando ele ouviu um estrondo em suas costas, e a porta do bar se abriu. “Quer saber, vou encher a cara hoje, sim!” Entrou no bar.
CONTINUA!