Desventuras de Um Técnico - Temporada 2017 - Parte IV - Uma Inesperada Demissão

O jogo contra o Paraná foi debaixo de muita chuva e acabou prejudicando nosso time pelo fato do estilo de jogo com a bola ao chão.

Antes do jogo reencontrei Paulo Henrique, que havia trabalhado comigo no Brasil de Pelotas, e dei um forte abraço nele. Esse rapaz mostrou muito boa qualidade embora tenha-o treinado muito pouco.

A única forma de poder jogar em um campo encharcado é usando o velho e bom chutão e foi aí que as dificuldades se manifestaram.

Pra piorar ainda mais as coisas, Netinho havia feito o gol da vitória em uma infelicidade de Thiago Rodrigues que deixou a bola passar por entre seus braços.

Ainda assim, o time mostrou sua força e equilibrou a partida, mas as finalizações não estavam boas e a derrota por 1 x 0 acabou sendo inevitável.

Depois do treino regenerativo, o presidente me chamou para uma conversa em seu gabinete e notei que estava com um semblante triste.

Logo soube o porquê deste chamado inesperado.

Ele foi forçado a tomar uma decisão das mais complicadas que era demitir-me do comando técnico não pela situação financeira nem tampouco pelos resultados em campo que nos mantiveram fora da zona de rebaixamento até com relativo conforto.

Mas por pressão de alguns membros da diretoria, os mesmos que queriam minha cabeça por não deixar palpitarem na escalação do time.

E o pior é que a imprensa já tinha noticiado que Roberto Cavalo seria o novo técnico da equipe sem que eu soubesse da coisa.

O presidente, contudo, deu um forte abraço agradecendo-me por tudo o que fiz pelo Caxias desde que fui contratado em 2015.

Pelo menos, havia algo de bom desta vez apesar das sacanagens de alguns cartolas.

O de sair do clube pela porta da frente deixando uma boa impressão de seu trabalho e mais do que isso, uma porta aberta para voltar um dia.

* * *

O mais difícil pra mim foi quando cheguei ao apartamento e contei a Lúcia sobre minha inesperada demissão do Caxias.

Ela ficou chateada com toda essa situação e pelo fato de João Marcos ter apenas um mês de idade, o que impediria de ter uma boa criação.

Entendo o lado dela. Não é fácil ter que mudar de cidade a cada momento, deixando amigos para trás e com uma criança de colo, ainda é mais complicado.

Mesmo assim, levamos João Marcos a conhecer seus avós tanto maternos como paternos.

Recebi a multa rescisória das mãos do presidente e marcamos nossa viagem a Porto Alegre para o dia seguinte.

Antes disso, tive uma surpresa inesperada com a visita dos rapazes a meu apartamento e perguntei a Rodrigo Arroz o porquê disso.

E ele me respondeu que o plantel ficou revoltado com minha demissão e depois de uma reunião entre eles, resolveram ao menos organizar um jantar de despedida pra mim num restaurante próximo.

Foi uma atitude que me deixou sem palavras. Claro que aceitei de bom grado e o jantar foi bem legal.

Teve uma cena que me tocou muito durante o jantar. Os mais novos como Fernando Carioca e Cristian Almeida choraram quando souberam que era a última vez que ficaria em Caxias do Sul.

Lúcia e eu então pegamos a estrada rumo a Porto Alegre onde os pais dela moravam e ali decidimos que ela ficaria na casa deles até a mudança para um apartamento próximo.

O seu Flávio foi bem legal comigo e até sugeriu que eu fosse treinar o São José pra poder ficar mais perto deles e é claro, porque é o clube do coração dele.

Alguns dias depois, eu e Lúcia fomos a Pelotas para que meu pai pudesse conhecer João Marcos.

Ele ficou muito feliz e até disse que o garoto tinha “olhar de treinador”. Acho um pouco de exagero do meu pai, mas fico satisfeito por ter dado esta felicidade a ele e minha mãe deve estar muito feliz esteja onde estiver.

Morreu de câncer quando eu tinha 13 anos e desde então meu velho mora sozinho, mas os vizinhos sempre o ajudam quando necessário.

Contei que tinha encontrado Sérgio Soares lá em Caxias do Sul e que tinha mandado um abraço pra ele.

Até tinha o brilho no olhar quando contou suas histórias como técnico pra mim e pra Lúcia dizendo ainda que os jogadores que comandava eram como filhos pra ele.

Concordo com ele nesse aspecto.

Afinal, esses meninos do Caxias eram mais do que simples jogadores, eram como meus discípulos nesta escola da vida.

* * *

Na viagem de volta a Porto Alegre, fiquei sabendo pelo rádio que eu recebi uma proposta de assumir o Oeste, depois que Geninho foi demitido por entrar em rota de colisão com boa parte do plantel.

Até fiquei triste pelo seu Flávio pelo fato dele querer que eu fosse pro São José, mas a proposta era muito boa pra mim e não pensei duas vezes em aceitá-la.

Achei que Lúcia seria contra essa proposta, mas pra minha surpresa, ela concordou que eu fosse pra São Paulo mesmo sabendo que ficaria longe dela e de João Marcos por um bom tempo.

Então, depois de uma conversa com os pais dela sobre os procedimentos da mudança, peguei a mão de Lúcia e ficamos olhando pela janela por algum tempo imerso em nossos pensamentos.

De alguma forma, ela sabia que eu estava tenso em sair do Rio Grande do Sul depois de quase três anos rumo a São Paulo.

Pensei no meu filho, que talvez um dia entenda porque seu pai viaja tanto a ponto de ausentar dos melhores momentos da vida dele.

No dia seguinte, me despedi de Lúcia e do meu filho e peguei o avião rumo a São Paulo.

Preparando-me para um novo recomeço em outro lugar.

E nem passou pela minha cabeça que o trabalho que me espera seria bem mais complicado do que imaginei.

CONTINUA...

MarioGayer
Enviado por MarioGayer em 04/09/2020
Código do texto: T7054616
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