Atos Porcos
(ato Um)
Segundo tenho ouvido falar, Luís Augusto pensa em breve ver na folha de pagamento, na coluna correspondente ao salário família, alguma coisa para si. Um filho é um dinheirinho a mais e até pode pensar em comprar alguma coisinha diferente, uma extravaganciazinha, que o abono é pouco, mas ajuda.
Foi por isso que Luís Augusto inventou o filho, não foi? Foi sim. Acho que gastou mais em comprar o escrivão do Registro Civil do que o que vai ganhar com duzentos anos de abono.
Luís Augusto inventou o filho. Descobriram, botaram-no em cana mais o escrivão, o negócio virou público. Pouca vergonha. Segue:
(ato Dois)
Aí Salma inventou o namoro de Jan e Rosa. Primeiro perguntou a Rosa o que achava de Jan e disse que perguntou por nada, só curiosidade. Depois perguntou a Jan o que ele faria se soubesse que uma garota como Rosa estava dando em cima dele e disse que falava aquilo por nada, estivera só imaginando.
No outro dia, Salma vendeu um colar de quinhentos cruzeiros para Jan dar pra Rosa. Depois o anel de noivado, a aliança e, quatro anos mais tarde, já advogada, cuidou dos papéis do desquite. Segue:
(ato três)
Pois claro que é preciso planejar. Ano que vem, mudo pro centro, moro com você e a gente pode sair de casa pro escritório às sete e meia da manhã, pode dormir até as sete, vai chegar cedo em casa, vai ter mais tempo... Além do mais, se moramos juntas, podemos voltar de táxi, além do mais, morando juntas, a gente pode prender o cabelo uma pra outra, passei a vida TODA dependendo de cabeleireiro, Deus, será que vou me libertar dessa tortura? Não, ano que vem tem de dar certo. A gente tem de morar juntas, vai ser bom, tudo vai melhorar, sábado à tarde a gente prende o cabelo, nossa, nem acredito, economizarei três horas de espera no salão, todo sábado, vou poder dormir sábado à tarde, ano que vem... Ano que vem... Será que dá pra ir pra sua casa em janeiro, Marli?
(INFORMAÇÃO: morreu de câncer em dezembro.)
(BH, 1973)