Conto das Terças-feiras – Cirurgião de blogueiras
Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, 25/08/2020
Na última sexta-feira, por causa de uma inflamação na garganta, desloquei-me a uma clínica médica onde trabalhavam dois profissionais da medicina, um otorrino e outro cirurgião plástico. Os dois profissionais dividiam a mesma recepção, cada um com a sua recepcionista/atendente. Uma área mais que suficiente para abrigar pacientes dos dois médicos. De um lado, os do otorrino, com pessoas sem muito ânimo, cara de doentes mesmo, como eu. Do outro, um grupo de garotas, entre 16 e 23 anos, segundo informou-me a recepcionista do cirurgião modelador, bonitas, bem vestidas, a maioria loura, artificialmente ou não e, adequadamente maquiadas.
A conversa entre elas versava sobre as cirurgias a que foram submetidas. Duas estavam ali pela primeira vez, e procuravam informações entre as que já eram experientes nos procedimentos da mesma natureza.
— Amigas, vocês gostaram dos resultados de suas cirurgias?
Amanda, a mais experiente daquele ambiente, respondeu didaticamente:
— Mulher, depende do procedimento e do cirurgião. Já tive problemas, mas a culpa foi do médico.
Emanuelly, a jovem com apenas 17 anos de idade, que se submetera a mamoplastia recentemente, colocando uma prótese semiesférica de 350 ml, com implante subglandular, manifestou-se:
— Não tem problema, amiga. Um bom cirurgião com experiência faz isso com os olhos fechados. Tu ficas linda de uma hora para outra – disse, apontando para os próprios seios.
As outras perguntas giraram em torno de questões que foram prontamente respondidas pelas veteranas, que até pareciam cirurgiãs profissionais: troca da prótese; rejeição; rompimento e valores. Sobre esse assunto, alguém pontuou:
— Cara, se você está preocupada com o custo, é bom desistir porque depois da primeira, você vai querer melhorar outras partes de seu corpo até não mais sentir rejeição.
Satisfeitas, as duas garotas estreantes acomodaram-se em suas cadeiras e ficaram atentas ao que as veteranas conversavam. Eu continuava esperando minha vez de ser atendido pelo otorrino. Concentrado, passei a captar os diálogos travados entre as veteranas que faziam comparações entre elas, considerando o resultado que cada uma obtivera. Ora elogiavam as suas performances, ora sobrevalorizavam os resultados das concorrentes.
— Amiga, os meus seios estão mais firmes que o de fulana, mas achei o volume de sicrana mais interessante.
— Estou satisfeita com o meu bumbum - e, levantando-se da cadeira, fez pose e girou em torno de si mesma – o que vocês acham?
Ao mesmo tempo, outra, já de pé, levantou a blusa e mostrou a barriga:
— Passei anos fazendo exercícios e não conseguia ter o resultado que tenho hoje. Tenho orgulho de minha barriguinha chapada.
Era uma competição de corpo e vaidade. Não se intimidavam em encontrar-se em uma clínica médica, e, acima de tudo, com plateia que estava acima dessas frivolidades, eram senhores e senhoras de idade, em sua maioria.
Uma senhora ao meu lado, guardando a distância social, perguntou-me:
— Quem são essas garotas, de onde vieram, fazem o quê? E completou – são artistas de televisão, se preparam para algum concurso de miss?
Não a respondi, mas passei a explicá-la que eram jovens que atuavam nas mídias sociais, eram “digital influencer”, blogueiras, como havia informado a recepcionista do cirurgião plástico. A senhora olhou-me com ar de desentendida e eu continuei em minhas explicações, para demonstrar de onde elas surgiram.
As tecnologias de informática e a transmissão de informações pelos meios digitais de comunicação, com o auxílio da Internet, vêm proporcionando o aparecimento indiscriminado de personagens que se tornam conhecidas da noite para o dia, alcançando interação social jamais imaginada em tempos remotos. Esse crescimento deve-se ao percentual de brasileiros que navegam pela internet, considerada marca histórica mundial. Palavras como “blog”, “blogueira” tornaram-se expressões usuais no vocabulário da nossa juventude que comunga certo estilo de vida, valores, atitudes, opiniões e posturas de jovens ditas influenciadoras digitais. Elas gostam de ser classificadas como “digital influencer”. Necessitam ter certas características corporais que assumam posição de destaque entre as outras blogueiras e seus próprios seguidores. Assim, será possível conquistar confiança e lealdade de suas leitoras/seguidoras, sob as quais exercem influência e ditam tendências e conceitos.
Não adiantou, o assunto entrou por um ouvido e saiu pelo outro. A mulher permanecia boquiaberta, demonstrando nada ter entendido. Poucos minutos depois, fui chamado à sala do otorrino que, ao término da consulta, tranquilizou-me dizendo que era apenas uma inflamação sem consequências. Ao retornar à recepção percebi que apenas as duas garotas de primeira viagem permaneciam ali. Passei por elas, pensando, “eu não pertenço a esse mundo!”