Desventuras de Um Técnico - Temporada 2017 - Parte II - Uma Dura Realidade
Parecia que Luís estava certo em relação a situação que teria de enfrentar com o Caxias na Série B.
Era um campeonato bem mais difícil do que o imaginado e apesar de formar um time competitivo, muitos dissabores teríamos que atravessar.
A diretoria vendeu o goleiro Pablo para o Resende e acertou uma troca com o São Bento pelo passe do lateral-direito Felipe Dantas e mais 750.000 reais mandando Maílson para Sorocaba.
Foram promovidos ainda o goleiro Taguchi e o atacante Douglas dos juniores para formar o grupo.
Começamos a caminhada arrancando um bom empate contra o Figueirense em 0 x 0, mas no nosso primeiro jogo em casa contra o Macaé acabamos jogando mal e perdemos de forma humilhante por 3 x 0.
A única coisa boa naquele jogo foi Juninho ter me dado um forte abraço e esperando pra que eu possa ser seu técnico de novo. Fico feliz por ter esse reconhecimento, afinal ele e Willian Rocha tiveram um importante papel na formação dessa equipe. No entanto, havia dúvidas com relação ao esquema tático.
Manteria o 4-4-2 ou tentaria algo diferente?
Decidi dar mais ênfase a defesa no difícil jogo contra o Vitória no Barradão e quase conseguimos a vitória, com o perdão do trocadilho.
Lucas Dantas marcou um gol de oportunismo logo de cara, mas os baianos viraram em duas falhas da nossa defesa com Rhayner marcando dois dos três gols da vitória.
Com duas derrotas e um empate, estávamos na zona do rebaixamento e ali percebi tristemente o lado ruim de ser treinador.
As vaias, os gritos de burro, os apupos. Tudo isso machucou-me muito e passou a impressão de que todos os esforços não valiam de nada.
E pra piorar as coisas, tinha a estreia na Copa do Brasil contra o Friburguense e ali era nossa obrigação passar de fase.
Era a minha esperança de concretizar duas coisas: permanecer como técnico do Caxias e passar da fase preliminar na minha terceira tentativa neste torneio.
Tudo estava agora por um fio e só a vitória interessava naquele momento.
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Felizmente, a seca de gols de Reinaldo terminou quando mais o time precisava dele.
Foi uma das melhores partidas do veterano de 32 anos onde além de fazer o pivô da maioria das jogadas de ataque, fez um gol de bico no estilo Romário e teve participação decisiva no gol contra de Léo que nos deu a vantagem necessária para o jogo de volta em Nova Friburgo.
No jogo seguinte pela Série B contra o perigoso América Mineiro, resolvi apelar para o emocional dos rapazes dizendo que teria um filho dentro de alguns meses e que eu gostaria de ficar com eles até o fim do campeonato mantendo nosso relacionamento como uma família sólida e altruísta, ajudando a evolução uns dos outros.
O plano deu certo.
O time jogou como na temporada passada com vontade e uma raça nunca vistas até então e novamente Reinaldo foi o herói marcando de cabeça o gol da vitória que nos tirou do rebaixamento.
Taguchi teve sua estreia nesta partida e ele realmente fechou o gol inclusive sendo eleito o melhor goleiro da rodada, o que me orgulhou muito.
Mas para exorcizar este fantasma da degola, precisamos pensar jogo a jogo e cada time era mais qualificado que o outro.
E principalmente, eu pensava no meu filho um dia tendo que passar todas as agruras que enfrento.
Será que meu pai pensava a mesma coisa com relação a mim, a Carlos e a Luis?
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Como esperado, o jogo de volta lá no acanhado Eduardo Guinle teve situações bem complicadas.
Primeiro, porque escalaram o mesmo juiz daquela partida contra o Atlético Mineiro lá no Independência no ano passado.
Lembro-me bem. O juiz naquela ocasião validou um gol em flagrante impedimento e foi condescendente com os mineiros que bateram bastante.
E a pusilanimidade se repetiu.
Mathias Suarez havia feito o gol do Friburguense em flagrante impedimento e além disso, tinha feito falta em Lameiras naquela mesma jogada.
Mas o que mais me irritou foi a expulsão injusta do Rafael Carioca.
Aquele zagueiro venezuelano, o tal de Marrufo, passou o jogo inteiro dando sarrafo nos rapazes e sequer foi advertido. No lance da expulsão, ele não viu o soco do venezuelano, só o revide do Rafael Carioca e acabou expulsando o lateral que teve um dente quebrado e levou três pontos no rosto.
Ainda assim, o clima de guerra não foi suficiente para tirar nossa classificação a primeira fase e finalmente comemorei meu primeiro avanço em três participações como técnico.
Mas nem tudo foram flores.
Rafael Carioca teve que ir a julgamento levando dois jogos de suspensão pela agressão e o diretor me falou que o tribunal estava querendo prejudicar nosso time.
E estava certo porque tirou um dos nossos melhores jogadores para a próxima fase.
E o adversário seria um dos mais complicados de se enfrentar.
O Vasco da Gama.
* * *
Antes desse tenebroso desafio, tínhamos que trocar o chip e pensar no Náutico em outro jogo complicado na Arena Pernambuco.
O empate em 0 x 0 foi até injusto pelo bom desempenho que tivemos em campo.
Para não ter problemas de logística, ficamos treinando no campo suplementar do Santa Cruz antes da viagem para o Rio de Janeiro.
Durante a viagem, entre uma piada e outra, falei aos rapazes que precisavam aguentar os primeiros 15 minutos de pressão infernal que o Vasco certamente empregaria com os jogadores de qualidade que dispunham como Yago e Rafael Silva e que depois tentassem puxar um ou outro contra-ataque na tentativa de surpreender a retaguarda vascaína que não tinha uma boa estabilidade.
No entanto, tudo deu errado graças a uma partida horrorosa de Jean.
Falhou feio no gol de Yago em afastar mal a bola, deu um abacaxi para Thiago Rodrigues no gol do rápido Marcinho e fez um inacreditável gol contra que enterrou nossas chances de classificação.
Dei umas palavras de consolo a Jean dizendo que isso acontece com qualquer jogador.
Meu pai me dizia que até mesmo Pelé não tinha atuações estupendas toda semana e isso acaba sendo ruim para o jogador com a mídia enchendo o saco a cada erro.
Agora só nos resta encerrar a participação na Copa do Brasil com uma atuação digna para nos animar na sequência do trabalho.
E reencontrar meu velho amigo Sérgio Soares em mais um clássico Ca-Ju.
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Antes do jogo, tivemos uma rápida conversa e até prometemos fazer uma nova aposta no futuro para que Sérgio Soares tenha uma revanche.
O jogo em si foi bem truncado e as torcidas ficaram no lucro por ver dois gols.
Novamente Reinaldo deixou sua marca e o time ficou mais uma rodada longe do rebaixamento o que nos animou um pouco.
Antes disso, fomos a Salvador e perdemos pro Bahia graças a um gol relâmpago de Maxi Biancucchi que desnorteou a equipe e trouxe alguns problemas pro jogo de volta contra o Vasco pela Copa do Brasil.
Como não tinha mais nada a perder, escalei três atacantes na tentativa de sair com a vitória a qualquer custo, mas sofremos demais com os contra-ataques vascaínos e o 0 x 0 foi até de bom tamanho para nós.
Ao menos, senti o gosto de avançar um pouco mais nesse tipo de torneio eliminatório e ali também aprendi uma dura lição.
Contra times mais fortes, era necessário jogar um pouco mais retrancado.
Usando o velho e bom ferrolho estilo Karl Rappan.
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Depois, voltamos pra Série B e conseguimos uma boa vitória em casa diante do CRB e antes do jogo, recebi um forte abraço de Willian Rocha dando uns cascudos na cabeça dele em troca.
Lameiras abriu o marcador em uma bela cobrança de falta e Giovani fechou o placar em um cruzamento despretensioso que acabou encobrindo o goleiro.
O Botafogo era nosso próximo adversário fora de casa e ali resolvi utilizar a tática mais defensivista possível com cinco zagueiros, colocando Takumi Oguri como titular e outros dois volantes mais recuados e os meias voltando pra marcar sem a bola.
O time carioca tinha um toque de bola mais cadenciado e com boa qualidade nos passes, se conseguisse ao menos fechar os espaços poderíamos equilibrar a partida.
E quase deu certo.
Lameiras acertou a gaveta em uma bela cobrança de falta e a marcação estava funcionando bem até Gegê acertar dois chutes de fora da área pra virar o jogo a favor do Botafogo.
Mesmo com a derrota, fiquei muito satisfeito com o desempenho deles e o entrosamento pagou um bom dividendo no jogo contra o ABC em casa.
Novamente Lameiras abriu o marcador acertando outra cobrança de falta, Reinaldo fez o segundo de cabeça e o ucraniano Kharatin fez seu primeiro gol como profissional aproveitando um belo lançamento de Patrick. Essa vitória nos fez subir para o nono lugar no campeonato e a campanha estava muito além das expectativas.
Os rapazes estavam progredindo muito bem em suas habilidades e o time estava mostrando uma competitividade surpreendente para alguém que tinha acabado de subir de divisão.
Mas tinha a estranha sensação de que talvez não conseguiria ficar com eles até o fim da temporada.
Espero que isso seja apenas coisas da minha fértil imaginação.
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Depois vieram uma derrota dolorosa para o Santa Cruz num gol de fora da área de Betinho, uma vitória dramática em casa sobre o Mogi Mirim com outro gol oportunista de Reinaldo e dois empates seguidos contra Atlético Goianiense e Sampaio Corrêa por 0 x 0 e 1 x 1 respectivamente.
Contra os maranhenses, foi a vez do menino Douglas marcar seu primeiro gol como profissional ganhando do zagueiro na corrida e tocando na saída do goleiro.
Isso me deixou contente ao ver que o investimento nos meninos estava dando frutos em campo mostrando um bom potencial para brilharem nas próximas temporadas.
Provando ainda que a aposta na base é uma boa alternativa a equipes com poucos recursos para contratar jogadores.
Quanto a mim, teria que preparar-me psicologicamente para enfrentar um clima de guerra no jogo contra o Bragantino.
Tudo porque recusei categoricamente a proposta pra treinar a equipe e a torcida não costuma perdoar esse tipo de atitude.
E com uma diretoria ainda me caluniando via mídia de mercenário pra baixo, temia que isso afetasse o desempenho dos rapazes em campo.
A resposta deles foi melhor do que esperava.
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Ao chegarmos a Bragança Paulista, notei o clima de guerra contra mim.
Tentaram impedir que os jogadores dormissem com foguetório e algazarra no hotel e chegaram ao cúmulo de mandar bilhetinhos no meu quarto ameaçando-me de morte por recusar a treinar o time.
E no dia do jogo, assim que meu nome foi anunciado no alto-falante a vaia foi uníssona em quase todo o estádio, exceto por quatro corajosos torcedores do Caxias que vieram de van pra torcer pela gente.
Nem vou falar aqui dos xingamentos que recebi das sociais durante o jogo inteiro, só digo que mau caráter e mercenário foram os nomes mais bonitinhos que ouvi.
No fim, minha voz praticamente sumiu porque tinha que tentar orientar os rapazes na base do grito para que pudessem ouvir-me.
Se fosse apenas isso, tudo bem. Mas o problema é que alguns torcedores infelizmente foram muito além disso.
Pedras, rádios e garrafas eram jogados na minha direção e pedi ao diretor para tomar providencias sobre esse absurdo e dois policiais vieram pra nos proteger com seus escudos.
No fim das contas, esse clima pesado acabou nos ajudando a conseguir nossa primeira vitória fora de casa nessa Série B com Rafael Carioca marcando o gol da vitória acertando uma bomba de fora da área.
Voltamos ao nono lugar e na volta pra casa, telefonei a Lucia para tranquilizá-la já que ela tinha visto o jogo na televisão com as imagens do que aconteceu comigo.
Mesmo com tudo isso, o presidente se mostrou preocupado com o preço que estamos pagando pela nossa participação na Série B e me disse que podíamos atravessar uma grave crise financeira devido ao baixo público do estádio.
Isso afetaria todos nós a longo prazo.
E a mim mais ainda com um filho a caminho.
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Durante os treinos da semana, disse aos rapazes para focar no jogo contra o Paysandu evitando ao máximo falar de problemas extracampo.
Devido a brutal maratona de jogos, tive que fazer algumas modificações na equipe e decidi jogar com três zagueiros na tentativa de dar mais liberdade aos alas de se juntar ao ataque e ao mesmo tempo eles tentarem anular o meio-campo do Paysandu que tinha três jogadores bastante ofensivos.
Contudo, precisei de apenas 180 segundos pra descobrir o quão errado foi o esquema.
Leleu abriu o marcador num cochilo da nossa zaga e o time se perdeu por completo.
No intervalo, desmanchei o esquema de três zagueiros e coloquei Sugimoto para reforçar ofensivamente o meio-campo e poderíamos até mesmo ter empatado o jogo se o juiz não anulasse erradamente o gol de Lucas Dantas que estava em posição legal na hora do chute.
Todo o estádio viu que o gol era legítimo e fui reclamar com o juiz desse erro, e foi aí que perdi a cabeça com o deboche dele.
E ainda me debochando, teve o disparate de expulsar-me da partida e pedir que o policiamento me tirasse do campo.
Na confusão que se seguiu, Rafael Carioca tomou o terceiro cartão amarelo e ficaria fora do jogo contra o Paraná e fiquei mais fulo ainda, entrando no vestiário e chutando tudo que tinha na frente pra descarregar toda minha raiva.
Nem vi o gol de Yago Pikachu que deu a vitória para os paraenses.
Depois de acalmar-me, fui pedir desculpas aos repórteres pela minha destemperança e disse a eles que o mais triste do futebol é que tu te matas pra formar o time, consegue os jogadores no mercado e de repente perde um jogo ou até mesmo um campeonato por erro de um cidadão que acaba aborrecendo todo mundo.
Menos mal que só paguei uma multa no julgamento que se seguiu e agora era hora de descansar um pouco depois de um semestre tão difícil como este.
Com todos os objetivos do ano sendo atingidos até agora.
Quanto a mim, usarei essa pausa para encarar um novo desafio.
O de ser pai.
CONTINUA...