259 Na Oficina
Estava na oficina há três dias. Pô-lo o pai ali para o ter preso nas férias e aprender alguma coisa mais para além de ler. Quando alguém se aleijava nas ferramentas dizia dos palavrões que mais gostava. Ele não deveria dizê-los mas era uma satisfação ver o bate-chapas a sacudir o dedo e a soltar todas as palavras do vernáculo mais forte. O resto do tempo gastava-o a separar parafusos, anilhas, roscas, a arrumar as chaves de fenda e as inglesas por tamanhos que haviam riscado a vermelho no suporte. Quando ninguém reparava espreitava para dentro dos carros ou ficava parado a ver abrir um motor. Ia chegando o material que pediam e aprendendo o nome de tudo. Nunca antes ouvira a quantidade de polegadas de uma chave nem que havia um nónio para a aferição mais precisa em instrumentos vulgares. Um cliente falara mesmo no Pedro Nunes mas o que disse ninguém percebeu. Quando entregaram a merenda ao dono recebeu o cesto e cheirou-o cheio de apetite. Coube-lhe uma maçã porque o senhor Acácio não sabia da navalha e já não tinha dentes para a rilhar. Aproveitou uma distracção e escorropichou o copo onde havia uma boa golada de vinho esquecido. – Marquei com a gaja mas não posso ir. Sem ter o número dela vai ser difícil avisá-la. – Se me disser onde é vou lá e digo-lhe. Olhou-o o homem com atenção, mostrou-lhe a casa amarela, coçou a cabeça e disse: - Não te demores. Pergunta pela Graça e explicas que depois lhe falo.
Foi assim que começou a ter outra vida onde estaria fadado para varrer o chão e emparelhar porcas e parafusos.