Conto das Terças -feiras – Desilusão

Gilberto Carvalho Pereira -

Fortaleza, 18/08/2020

Natural de Santa Maria, RS, Heidi nascera de pais alemães. Desde os 16 anos, desejava morar em São Paulo quando terminasse a faculdade de Administração que almejava cursar. Não conhecia a cidade, tinha primas morando na capital paulista que lhe contavam as maravilhas, do ponto de vista delas, da cidade grande. Até já ofereceram um lugar no apartamento onde moravam, Rua Augusta com Alameda Lorena, um dos locais mais frequentados pela juventude local.

Aos 22 anos conseguiu realizar o seu desejo. Estava em São Paulo, deslumbrada com aquela realidade que nem conseguira dormir à noite. As primas a levaram para conhecer a tão sonhada Augusta. Ficaram perambulando pela famosa artéria até às duas horas da matina. A beleza de Heidi era distribuída pelos seus um metro e oitenta de altura, rosto reluzente e cabelos loiros que não passaram despercebidos pelos transeuntes da célebre calçada e dos frequentadores dos seus bares, sempre lotados de jovens bonitos e sarados.

Pela manhã, as três primas saíram para o trabalho e a visitante permaneceu deitada, pois somente no outro dia teria que ir ao escritório de uma multinacional para fazer um teste para emprego. Prevenida, já havia enviado o seu currículo, que fora aceito para entrevista com data marcada. Uma garota tão jovem, que falava quatro línguas, português, alemão, inglês e espanhol, com formação universitária e de boa aparência, tinha emprego garantido em qualquer empresa naquela cidade pujante e trabalhadora.

O teste foi só para cumprir as formalidades da empresa. No outro dia, após o exame médico e a entrega dos documentos, foi levada até o chefe do departamento de pessoal, que seria seu chefe, tendo este a conduzido para uma sala contígua, onde seria o seu local de trabalho. A moça estava entusiasmada, tudo acontecera rapidamente. A sala era grande, bem decorada e cheia de estantes com documentos e livros. Ela estava vivendo um sonho.

Em casa reportou tudo às primas, que queriam saber os mínimos detalhes daquele dia tão importante para a garota ingênua e bonita do interior. Quando falou sobre o seu salário inicial as primas ficaram de queixos caídos. Era três a quatro vezes o que elas ganhavam, nenhuma tinha nível universitário, só falavam português e exerciam atividades auxiliares. Entre as falas e olhares das primas, Heidi percebeu um pouco de inveja, que, pensou ela, poderia trazer complicações para o relacionamento entre as quatro. No íntimo ela jurou que não mais pensaria nisso, só ficaria cautelosa. Não queria problemas, principalmente porque seria um complicador para o início de sua vida numa cidade que pouco conhecia.

O primeiro final de semana, fizeram planos de passar em Santos, na praia. Uma das garotas tinha um namorado que era proprietário de um pequeno apartamento na orla santista e que sempre as emprestava. Ele era colega de trabalho. Tudo combinado, cedo desceram a serra, de ônibus. Já alojadas no apartamento, com linda vista para o mar, dois quartos, um banheiro e uma sala de visitas e refeições, as primas vestiram seus biquínis e foram à praia. Heidi não as acompanhou, pois não trouxera maiô, dizia que tinha pele muito delicada para se queimar ao sol.

Naquela manhã, um rapaz entrou no apartamento com sua própria chave, sem tocar a campainha. Heidi lia um livro deitada no sofá da sala, só de baby-doll. Desatenta, só percebeu que tinha alguém olhando para ela quando esse alguém, surpreso, tossiu.

Quem seria aquela deusa à sua frente? - pensou ele. Ela, aterrorizada, tentou ir para o quarto e trancar-se, mas foi impedida, o homem agarrou-a pelo braço.

— Calma garota, o que você está fazendo em meu apartamento?

Balbuciando ela falou:

— Estou com minhas primas, quem é o senhor?

Ele nada respondeu, segurou-a com mais força e falou rispidamente:

— Fique calada, não grite que vai ser melhor para você! O homem sabia que ninguém retornaria da praia antes das 14 horas. O relógio da sala marcava 10 horas.

Depressa rasgou o baby-doll e a estuprou. Depois se dirigiu à porta e gritou:

— Não diga que estive aqui, caso contrário vai ser pior para você! – ele saiu deixando-a em prantos, mas baixinho para não chamar a atenção da vizinhança.

Ficou algum tempo a mais deitada no sofá. Começou a sentir nojo dela. Correu para o banheiro, tomou banho, vestiu-se, pegou suas coisas e foi para a rodoviária, apanhar um ônibus para a capital. Tinha dinheiro na bolsa, hospedou-se em um hotel, no outro dia resolveria o que fazer.

Havia deixado um bilhete para as primas: “desculpem-me, depois explicarei minha atitude. Não me procurem, deixem que eu telefono para vocês. Beijos.”

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 18/08/2020
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