Diálogo interno
— O caminho que faço de segunda à sexta é sempre o mesmo: saio sempre ao mesmo horário de casa, na mesmo altura do caminho acendo o mesmo Marlboro, no ponto encosta sempre o mesmo ônibus, todos os dias dou "bom dia" para o mesmo motorista, aceno com a cabeça para o mesmo cobrador sonolento, por incrível que pareça, o mesmo assento está sempre me esperando.
— O que muda em sua vida?
— Os pensamentos! Não tenho todos os dias o mesmo pensamento. Tem dias que estou crítico literário, outros um romântico às antigas, e tem dias que não paro de falar comigo mesmo.
— Sobre o que conversa?
— Sobre tudo! Um grafite em um muro é o suficiente para me levar mais longe do que aquele ônibus seria capaz.
— E qual é o grafite que você mais gosta?
— Eu não diria "gostar", mas tem um grafite que me deixa um tanto intrigado. É um grafite com a palavra "certo", mas escreveram "certo" errado. Não sei se foi intencionado usar "S" no lugar de "C". Leio certo errado!
— Com certeza foi intencionado... Você é como um arqueólogo estudando pinturas rupestres em uma caverna. Não consigo pensar em nada diferente disso! Mas que bela evolução é essa: fomos de figuras de mãos e animais com e sem chifres, para a intenção de escrever "certo" errado. O que será em cem anos?
— Em cem anos estaremos sem vida! hahaha... Não temos porque nos preocupar com isso. Nosso agora precisa de nós por completo!