Conto das Terças -feiras - Amigos de verdade
Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, 11/08/2020
Dois grandes amigos, de amizade recente, conhecidos há pouco mais de oito anos. Um nativo da cidade onde ambos moravam, o outro, de estado diferente. Não sabemos onde se conheceram e nem qual o motivo do primeiro encontro que sustentou, por muito tempo, uma grande e verdadeira amizade. Ambos casados e suas respectivas esposas também se tornaram muito amigas. Gostavam de jogar baralho, o que faziam quase todos os sábados, e de frequentar a praia e bailes, sempre os quatro. Essa amizade foi estreitada fortemente pelos acontecimentos que relato a seguir:
As esposas estavam grávidas, com diferença de uma para outra, de quatro meses. As famílias já tinham filhos. A do Aloísio, o nativo, era composta de sete descendentes. A do Almir, de apenas dois. As expectativas para o nascimento de mais um rebento para cada família fizeram disso o assunto preferido em todas as ocasiões em que os casais estivessem juntos. As mulheres falavam de pré-natal, enxoval, da escolha de nomes etc. Os homens só pediam que as crianças chegassem perfeitas e com saúde.
Completados os nove meses, a esposa de Aloisio deu à luz uma linda menina que na pia batismal recebeu o nome de Sílvia. Tudo correu bem. A criança era forte e saudável e passou a ser a alegria da família. Essa alegria era compartilhada por Almir e Creusa, o casal forasteiro, que ansiosos esperavam o nascimento do terceiro filho que aconteceria quatro meses depois.
Infelizmente, uma complicação durante o parto provocou a morte da recém-nascida. O desespero tomou conta de Almir. A esposa, em coma, estava impossibilitada de ampará-lo. A primeira pessoa a quem ele recorreu foi o amigo Aloísio, pois não tinham parentes na cidade onde moravam.
— Aloísio, minha filha morreu durante o parto. Estou desesperado!
— Como está Creusa?
— Ela está em coma induzido, mas o médico informou que amanhã ela vai acordar.
— Eu tenho que resolver onde sepultar minha filha. Não quero enterrá-la em cova, no chão – completou Almir, chorando.
Aloísio informou que sua família tinha um jazigo, onde a criança poderia ser colocada. Entrou em contato com sua mãe, que lhe passou a localização e o número da sepultura. Naquele dia mesmo, já com os papéis legais prontos, a natimorta foi sepultada. Inconsolável, Almir não cansava de agradecer ao amigo.
No outro dia, Aloísio recebeu um telefonema de uma sobrinha:
— Tio, o senhor colocou a menininha na gaveta de minha mãe. Isso não se faz. Conspurcou o túmulo de nossa mãe, sua irmã.
— É só uma criança. Não faz mal a ninguém.
— A família não quer isso, e pede para que o senhor a tire de lá.
Por mais que argumentasse, dizendo que os pais não tinham ninguém com jazigo para receber o corpo da criancinha, a família da irmã estava irredutível. Naquela noite, Aloísio foi deitar-se arrasado, custou a dormir. Quando conseguiu adormecer profundamente, sonhou com o pai que lhe dizia:
— Filho, realmente aquela gaveta não é a minha, é a de sua irmã. Eu gostaria que você a transferisse para junto de mim. Ela me vai fazer muito feliz.
Atordoado, Aloísio saltou da rede, eram ainda quatro horas da madrugada. Pegou o telefone e discou para a família da irmã.
— Alô, quem fala?... Hoje mesmo vou fazer a mudança do corpo da filha de meu amigo.
Não esperou resposta, desligou o telefone e aguardou mais algumas horas para comunicar ao amigo do ocorrido. Depois de efetuada a mudança, novamente, telefonou para o amigo e comunicou:
— Almir, amigo, fizemos a mudança. Agora ela descansa em paz.
À noite, já dormindo, Aloísio recebeu a visita do pai, que dizia estar satisfeito e que se sentia confortável com a presença de um anjo ao seu lado. No outro dia, bem cedo, Aloísio foi ao cemitério para ver se estava tudo correto com o túmulo de seu pai, encontrando-o cheio de flores. Perguntado quem tinha sido, ninguém soube informar, nem os pais da criança, nem a família da irmã. Os vigias do cemitério disseram ter percebido algo estranho para o lado daquele túmulo, chegando lá encontraram todas aquelas flores, mas ninguém próximo. Eles não tinham como explicar o aparecimento daquelas flores. Não havia notação nas ocorrências de que alguém tivesse visitado aquele túmulo, depois de encerrado o funeral.