(IN)FELIZ DIA DOS PAIS
Não, ela não queria sentir. Condenava-se pela forma desalinhada como tudo acontecia dentro de si, no mais íntimo de seu ser, justamente naquele dia especial do calendário. Desejava, sim, ser mais grata, claro, estar feliz, porém o inevitável incômodo a tomava, resultado de memórias, traumas, mágoas e tantos outros sentimentos que insistiam em atormentá-la.
Pensava no pai, ali, tão perto, e sentia-se grata, mas talvez não o suficiente. A gratidão revelava-se pouco genuína, sendo arrebatada por memórias indesejadas e sentimentos confusos. Sentia ânsia. Na verdade, pensar nele lhe causava sofrimento, uma sensação perturbadora, inexplicável. A presença física, as recordações, as incertezas, o medo do porvir, tudo se mesclava na sua mente, tudo!
Pensava em outros pais. Outros. Ausentes, egoístas, negligentes, que marcam vidas de forma negativa. Foi quando lhe tomou a culpa. Outra vez a culpa, pois, em seu entendimento, devia um pedido de perdão aos dois filhos. Que “belos” pais tinham! Escolhidos a dedo, mas a “dedinho podre”! Temia que se perdessem, assim como lhe acontecera; não queria que sentissem esse vazio que a atormentava. Aspirava que suas marcas não fossem tão profundas quanto às que carregava e que conseguissem ser felizes em seus relacionamentos. E, se lhe tocassem a sorte da paternidade, que fossem exemplos para seus filhos.
Tantos julgamentos!
Punia-se, todavia, diante do temor de estar sendo injusta; e por, de repente, perceber-se rara, sem espaço, sem identidade. Desejava, do fundo de sua alma, outras lembranças. E outras expectativas. E outro comportamento. E paz.