KA TEMBE, uma cidade no campo!
Maravilhosa, encantadora, histórica e culturalmente isolada. Um paraíso de menções nobres e sagradas, terra prometida. Aqui os Swi kwembos niva lowi espalham-se por todo contorno da progenitora natureza e são praticamente o último legado de um povo cuja história e a cultura desaparece com a mesma arte. Contemplar as suas histórias, desperta emoções e a introspeção dos turistas, numa amorosa procura por respostas. Talvez por ser tão afastada da cidade das acácias, abriga cinco bairros distintos, que tornam o lugar mais fascinante e medonho. Suas histórias foram citadas para homenagear antepassados? Régulos ou outros líderes importantes. Não sei. Foi palco da civilização ocidental e desde nesse tempo perdeu a sua identidade própria. Pela costa, marcas da opressão espalham-se e em todo seu perímetro lembrando-nos o passado do chicote. Foram tantas vidas desaguadas no litoral buscando expectativas em iras remotas, buscando conhecimento em livros jamais escrito. O vento ensina sua coreografia as arvores, o bailado do mar traz brisa e mais visitantes em sua vila, ninguém quer perder o espetáculo e todos os finais de semanas entulhos de gente desembarca em nossa costa em busca do mar, do clima e de boa receção na travessia: aqui também é terra de boa gente.
Ninguém existe na Ka Tembe senão ao colo de uma determinada entidade oculta, fomos amedrontados; domados como cães de raça a pensar e agir por esses instrutores considerados swikwembus se forem da mesma religião, e desconsiderados se forem doutra. Os puros serão sempre os da nossa religião, não os maziones e suas canções ao ritmo do tam tam violento, seus rituais sagrados que molestam os madimones, mas os que defendem nossa ideologia, e os que reprovam estão possuídos ou amarrados, é preciso purificá-los, afogá-los na imensidão das suas lágrimas, e acusados de serem amaldiçoados ou de uma espécie de feitiçaria. Não se espera heróis na Ka Tembe, terra de ninguém; basta que sejas honesto. Um herói é justo quando desonestidade e a podridão dominam em suas terras.
Divididos profundamente, existe limites invencíveis: raciais, estatuto social, ostentação e religião. É preciso quebrar esses limites que vai se passando de geração a geração. Tudo o que nos une em todo perímetro de Ka Tembe para além da travessia é o medo. Ninguém pode reclamar ser proprietário de Ka Tembe, Ka Tembe – Terra de ninguém em que as circunstâncias e distâncias anímicas nos separam.
São várias as formas de dominar um povo e já passamos de colonialismo e agora ao neocolonialismo; a forma, mas sofisticada encontrada para nos desviar foi a cultura. A cultura dá ao homem o que necessita e nos liberta. Dentro da cultura as artes se espelham e se estão prostituídas estás perdido. Ka Tembe mudou, com total abrangência dos órgãos de comunicação social, desde o começo da sua utilização, se calhar pelo mau uso; o certo é que acabaram desviando o sentido da vida das pessoas – o que a gente escreve ou pinta, escuta ou canta, lê ou vê, dança ou come é cultura, tudo isso é cultura. O modo de vida, crenças, rituais, em suma a vida de um determinado povo é cultura. Então introduziram verdades debilitadas, criaram realidades fantasias, vazias e medíocres nas Tv., rádios, agredindo jovens e crianças desde a década noventa por diante, e quando devastado pelas cheias de 2000 toda cultura submergiu nas suas enxurradas, diferente do tempo dos nossos avós que nada disso existia e a sua audição era devorada por coisas boas. Se calhar é não saber escolher o que é arte e nos influenciamos impressionados com a cultura de fora, exibida constantemente. O povo esqueceu sua cultura, a geração vindoura não á conhecerá e quando á conhecer ira desprezar.
A exibição excessiva de uma cultura estrangeira retrocede os valores morais, culturais de um povo que já vem cultivando seus hábitos e costumes, acabando por imitá-lo, pouco a pouco limitando-se, porque imitação é igual a limitação, depois do plágio o que muda é só a lírica, mas o barulho e a melodia dessa arte sem artistas são mesma coisa. Escuta um, escutou todos! Viu um, viu todos, até a moda ou a forma de vestir é um plágio! A sociedade da margem sul de Maputo retrocedeu bastante em termos de valores, e sem autoestima há proliferação de tanta coisa prejudicial e a moralidade em decadência. As artes já não refletem o que somos muito menos o que éramos, omite a nossa realidade. Tudo tem proveniência, e um povo deve saber donde vem e para onde vai. Nós tínhamos modelos culturais: valorizar e saber ajudar o próximo é um exemplo tão nobre da vida, mas atualmente já é um conto – toda ajuda deve ser remunerada.
Uma coisa; só existe quando procurado e o feiticeiro, esta dentro de cada um de nós, abre as portas para os que vem de fora. Se não procura por sua cultura ela deixa de existir, o mesmo com feiticeiros.
Ka Tembe! Erguida pelo sol nascente, cimentada sobre entulhos da escuridão, pelos mitos e falsas crenças, rituais espirituais dos ntinhangas que providenciam o tradicional kupatlha com a bebida caseira tom tom tom da fábrica do Xiphamuphamu ao som dos ntigoma aquecido pelo calor do sol ou lume da lenha, viajava sentado neste clamor de dúvida e medo dos swi kwembo ensaiando seus passos de dança dentro do ndomba. Contemplava as noites secas e a arte de falar com os antepassados mortos trazendo sorte, proteção e o que deve-se fazer para manter sua vida longe do tormento dos outros defuntos – a mamba ou a missa. Crescemos sob esses dogmas que hoje são fantasmas que nos perseguem com seu passado e as tememos, sobre essa tensão e ilusão linguística de volta ao passado adiado e inesperado; corremos para um presente adiantado e acorrentado da verdade, tropeçado e caído, escaqueirando deste modo suas histórias e decências, levando a cultura a decadência.