O último reencontro

Eles se encontraram de repente, sem esperar, no meio da multidão:

- Olá, você por aqui, que surpresa! Como vai?

- Oi, é você mesmo? Nossa, que legal, não imaginava encontrar alguém conhecido por aqui. Eu vou bem, e você? Há quanto tempo não?

- Eu estou ótimo, obrigado. Que eu me lembre já faz anos. Da última vez foi naquele campo perto das montanhas, não foi?

- Sim, eu me lembro também. Lá estava bem frio, acho que era a época do ano.

- Isso mesmo, era um finzinho de inverno. Olha, deixa eu te dizer, você está muito bem, ganhou corpo, ficou bonitona, ancas largas... .

- Ah, deixa disso... . Mas você também está muito bem, saradão. Cresceu mais do que eu esperava.

- Pois é, acho que é minha alimentação saudável.

E enquanto conversavam iam caminhando lentamente para a frente, acompanhando todos os demais. A multidão se afunilava cada vez mais até chegarem à entrada.

- Até que a fila hoje não está muito grande, que bom. Pode ir na frente, damas primeiro.

- Obrigada, você continua gentil como sempre. Já esteve aqui antes?

- Não, aqui não, é a primeira vez. Mas deve ser igual a todos os outros lugares, não tenho grandes expectativas.

- É eu também não. A vida está ficando meio monótona ultimamente, fazer o quê?

- Pois é. Ah, lembra do Mancha? Aquele que tinha um círculo preto em volta do olho?

- Lembro, lembro, eu achava aquilo meio esquisito.

- Nem tanto, tem muitos assim, com este tipo de mancha de nascença. Até que a dele não era muito chamativa.

- Bem, eu tive uma amiga que era coberta de manchas como aquela, no corpo todo. Mas ela nem ligava, era super animada, sempre pra cima, muito simpática mesmo. Mas o que tem o Mancha?

- Cruzei com ele no mês passado, no último campo. Só o vi de longe, mas nos reconhecemos mesmo assim.

- Bacana! E como é que ele está?

- Me pareceu bem, forte, grandão. Cresceu mais do que eu, preciso reconhecer. E eu achava que ele ia ficar mirradinho... .

- É porque ele era mais novo do que nós, por isso parecia muito pequeno. Eu me lembro que vivíamos provocando o pobrezinho, empurrando com o corpo para fazê-lo perder o equilíbrio. E ainda assim ele não largava da gente, vivia atrás de nós o tempo todo.

- Era porque nós não deixávamos os outros maltratá-lo, apesar de brincarmos com ele daquele jeito. Sempre que alguém vinha correndo atrás dele nós nos colocávamos na frente para protegê-lo. E ele sabia que nós não íamos machucá-lo, então procurava ficar sempre conosco. Por isso acabamos tão amigos.

- Verdade. E como é que ele está?

- Como eu te disse, enorme, maior do que eu. Não chegamos perto para conversar porque ele estava no alto de uma colina e eu cheguei acompanhando uma trilha pela parte de baixo, e não quis subir tudo aquilo para encontrar com ele. E ele também não desceu, pois depois provavelmente teria que subir tudo novamente. Mas eu o reconheci logo por causa do olho, e gritei lá de baixo para chamar sua atenção. Ele me reconheceu também, trocamos saudações e ficamos acenando com a cabeça um para o outro. Foi legal vê-lo de novo, fazia muito tempo.

E enquanto conversavam a fila avançou e ela chegou à entrada.

- Olha, eu sou a próxima. O que será que vai ter aí dentro?

- Não tenho a menor ideia, mas da última vez me aplicaram alguma coisa no lombo. Doeu um pouco, como se fosse uma picada de mutuca, mas passou logo.

- Se for isso não deve demorar muito. Eu vou ficar te esperando na saída pra gente poder conversar mais um pouco antes de irmos embora.

- Isso, me espere, não deve demorar mesmo. Ainda temos tanto o que por em dia... .

E enquanto ele falava a porta se abriu e ela passou, deixando-o para trás. A porta se fechou novamente e ele ficou ali, impaciente, torcendo que abrisse logo para que pudesse ir atrás dela.

Não precisou esperar muito e logo a porta se abriu para ele também, deixando-o antever uma penumbra que contrastava com o bonito brilho do sol no exterior. Ele caminhou devagar para a frente esperando que seus olhos se acostumassem à súbita mudança de intensidade luminosa, e a primeira coisa que percebeu é que ela não estava mais à vista. Aliás, não havia ninguém à vista, apenas algumas coisas estranhas penduradas a quase um metro de distância do solo, se afastando da entrada para o interior cada vez mais escuro daquele prédio. Ele deu mais alguns passos para frente até ser detido por uma cancela, e então notou que a coisa pendurada mais próxima tinha a mesma cor e tamanho de sua velha amiga. Mas não podia ser ela, porque parecia haver partes faltando... .

As últimas coisas que ele percebeu foram alguém encostando uma coisa dura em sua testa e um ruído muito alto. E então tudo acabou.

Mais uma cabeça de gado havia sido abatida para alimentar a infinita fome dos seres humanos.