A QUEDA
A nove metros do chão contemplava uma imagem que repousava no chão duro. Não sabia nada do que tinha acontecido. Aquele pontinho azul na portaria daquele prédio provocou no trabalhador várias reflexões. Lamentava aquela queda, e pendurado no andaime anexado ao prédio, refazia os minutos do seu dia. Ele, morador da favela do Boi morto acordava sempre às cinco e meia. A sua esposa era o seu despertador. Ele tinha que acordar cedo para chegar ao trabalho antes das oito. Nós últimos dias devido a redução de transporte, ele estava sempre atrasado. Antes da pandemia estava sempre adiantado. Certa vez chegou antes da abertura da empresa. Lá na calçada da Mendes Serviços conheceu um morador de rua chamado Napoleão que contava muitas histórias. Não se sabe se eram verdadeiras ou não. Uma delas foi sobre uma tal guerra em um tempo antigo. Ele sempre gostou de histórias, mas também de viver nas alturas. Quando pequeno estava se equilibrando em cima do muro da casa da mãe. Apesar de baixo, o muro representava um grande obstáculo. Certa noite aquele muro fora a sua "salvação" para escapar de um cão raivoso. Mas as vezes ele dizia que iria ser equilibrista. Porém a ideia foi abortada por causa de uma queda séria do famoso muro de um metro e meio. Então falou para a mãe que iria ser um engenheiro civil. Ele construiria ou reconstruiria todo o bairro. As casas geminadas não eram bonitas. Naquela época devido a chegada de uma fábrica de coturnos a população recebeu a proposta para a reforma de suas casas com muita alegria. Mas na opinião de Fausto aquela proposta iria modificar a estrutura do bairro e iria deixá-lo igual as vilas operárias da Europa. Aquelas casas geminadas de várias cores pareciam mais com caixas de fósforos ladeadas umas com as outras. Na escola ele fez uma "remodelagem" do seu bairro. Foi aí que aflorou a vontade de ser arquiteto. Mas depois mudou de ideia por causa de seu déficit em matemática. Ele não aprendera tal disciplina ou o ensino foi precário. Então decidiu ser engenheiro civil. Aquela opção estava distante para um suburbano, principalmente por causa da falta de escolas secundaristas. Ele prometeu a si mesmo que após o término do ensino fundamental iria mudar-se para outro lugar e assim "completar" os estudos. Mas aí veio o desemprego da pobre viúva na fábrica de coturnos. A mãe já não era tão jovem. A sua dor nas costas motivou a sua saída da fábrica. Dona Helena estava com um problema sério na coluna e faltava muito ao trabalho. O seu menino de 10 anos iria agora trabalhar com o tio. Fausto ficou surpreso, mas após saber qual era o trabalho do tio ficou contente. Ele gostava de altura e agora iria contemplar toda a cidade do alto dos edifícios luxuosos da cidade Nobre. Assim era chamado um condomínio fechado situado na zona sul. Fausto tornou-se o melhor limpador de vidraças da cidade. A clientela gostava do seu esforço e da sua dedicação. Embora o seu sonho não fora concretizado, ele sentia-se feliz no alto daqueles edifícios. Ele tinha toda a cidade a seus pés. A mãe não chegou a vê-lo em ação, mas a morte dela fora o grande combustível para prosseguir nos dias difíceis que foram motivados por uma Pandemia de um vírus desconhecido. Agora desfrutando a paisagem do alto do edifício Master contemplava o ser inanimado caído ao chão que fora jogado pela filha adolescente do banqueiro Esteves. A queda não machucou ninguém, mas o o rosto do boneco parecia de uma pessoa desesperada. E após saber que era apenas um boneco, ficou aliviado. Fausto desligou-se dos seu pensamentos e prosseguiu o seu trabalho naquela manhã quente de março. Logo mais faria a sua festa de 38 anos, mas apenas com a companhia da esposa Marta e em casa, conforme as autoridades recomendavam a todos.