Desventuras de Um Técnico - Temporada 2017 - Parte I - A Primeira Final a Gente Jamais Esquece
Começamos o Campeonato Gaúcho com uma expressiva vitória sobre o Lajeadense por 2 x 1 em um jogo onde Lameiras e Patrick fizeram a diferença com o primeiro fazendo o cruzamento para Lucas Dantas abrir o marcador e o segundo marcando um belo gol de fora da área.
O esquema de jogo estava fluindo e chegamos até mesmo a segunda colocação em um determinado ponto até chegar aos jogos em casa contra a dupla Gre-Nal.
Ali descobri dois graves problemas: a má fase dos atacantes e o excesso de cartões devido á instabilidade emocional.
Contra o Grêmio, a partida foi parelha até a expulsão infantil de Rafael Carioca pelo soco em Erazo. Então o time se perdeu e o Tricolor aproveitou-se disso pra vencer com facilidade, mesmo com as substituições que fiz.
E contra o Internacional, o 3 x 0 foi até um castigo pra nós pelos dois gols contra de Jean e Darío Rearte, o que nos destruiu emocionalmente.
Ao menos, a vitória veio no jogo seguinte contra o Avenida graças ao oportunismo de Charles, mas um novo problema foi criado com a expulsão absurda de Alan Patrício por reclamação.
Faltou um pouco de malandragem pro garoto. 20 minutos em campo e ele já estava expulso, aí é complicado funcionar a estratégia de jogo.
Coloquei duas linhas de quatro e conseguimos segurar o ímpeto do Avenida, mas não pode acontecer uma coisa dessas de novo.
Após um amargo empate com o São José por 2 x 2 onde Jean fez outro gol contra, vieram duas convincentes vitórias sobre Esportivo e Brasil de Pelotas com Sugimoto marcando um dos gols da vitória, vieram duas derrotas contra Passo Fundo e Juventude por 1 x 0, o que significaria novo drama na última rodada contra o União Frederiquense e temor de ficar mais uma vez de fora dos mata-matas.
Ali foi praticamente um replay do ano passado. O time jogou mal de novo, Juan Noguera marcou de novo logo no início o que deixou nossa situação bastante periclitante.
Felizmente o Brasil de Pelotas acabou derrotado em casa pelo Lajeadense definindo nossa classificação para as quartas-de-final.
Contudo, a vaia comeu solta e muitos torcedores pediram a minha cabeça devido aos maus resultados.
Como terminamos em sétimo lugar, teríamos que pegar novamente o Grêmio em casa.
Era o que eu não queria.
Mas não fizemos por onde e pagaríamos por nossos erros na primeira fase.
A não ser que o time fizesse uma partida praticamente perfeita.
* * *
Durante os treinamentos da semana, enfatizei bastante os rapazes sobre o erro zero contra um adversário de alta qualidade técnica como o Grêmio.
Em conversa com os veteranos da equipe, percebi uma certa dificuldade em lidar com adversários que jogam no 3-5-2 e pensei em utilizar este esquema na tentativa de anular o ponto forte do Grêmio que era a rápida troca de passes para abrir as defesas adversárias.
Poderia ter escolhido um zagueiro de origem como Takumi Oguri ou Léo Carioca, mas optei por recuar Karl para a zaga devido as suas características de marcação e desarme e adiantei Giovani e Rafael Carioca como alas pela capacidade ofensiva de ambos.
Pedi aos dois que tentassem alguns cruzamentos para Reinaldo e reterem a bola no ataque o mais tempo possível, impedindo uma pressão ainda maior dos atacantes do Grêmio.
A torcida atendeu ao chamado da diretoria e lotou o Centenário com o entusiasmo de sempre, mas eu estava apreensivo e ansioso para que o jogo começasse logo.
Na preleção, pedi aos rapazes que suportassem a blitz do Grêmio nos primeiros 15 minutos e aos poucos, aproveitar o cansaço deles para uma fustigada ou outra.
A expulsão de Lincoln por acertar um tapa em Karl facilitou nosso trabalho e mudou o panorama do jogo embora o Grêmio transformasse Thiago Rodrigues num dos destaques do jogo.
Pedi aos dois alas que insistissem nos cruzamentos e a tática acabou dando certo.
Num deles, Rodrigo Arroz surgiu no meio da zaga e acertou uma bela cabeçada no canto de Léo, marcando seu primeiro gol com a camisa grená e explodindo de alegria a torcida com o 1 x 0 obtido.
Veio o segundo tempo e o Grêmio se abriu de vez com um verdadeiro bombardeio sobre nosso sistema defensivo.
Três bolas na trave, Thiago Rodrigues operando milagre após milagre e Jean salvando uma bola em cima da linha foram os lances cruciais do jogo que nos levou a uma improvável classificação para as semifinais.
Assim que o jogo acabou, a festa foi geral e a torcida aplaudiu o empenho quase comovente dos rapazes.
Ali gritei tanto, mas tanto que tive que responder as perguntas dos repórteres quase sussurrando, porém a alegria ali era contagiante.
Fiquei sabendo por um dos repórteres que o Juventude havia despachado o São José horas antes e teríamos dois clássicos Ca-Ju para definir um dos finalistas do Campeonato Gaúcho.
Uma coisa era certa, Caxias do Sul iria tremer com esse clássico dos mais imprevisíveis.
Era um tipo de jogo que eu prefiro.
E tinha certeza de que estava a dois passos da minha primeira final como treinador.
* * *
Na semana seguinte, não se falava outra coisa na cidade a não ser dos “Ca-Jus do século” e isso me fez lembrar de um outro clássico que vi quando tinha apenas oito anos, o Gre-Nal do Século que decidiu uma das vagas a final da Copa União de 1988. Ali o Inter tinha ganhado de virada e se classificado pra final em um jogo que fez Porto Alegre praticamente parar.
Mas não me podia deter nestas reminiscências e intensifiquei ainda mais os treinamentos com o objetivo de deixar a equipe tinindo para estas duas importantes partidas.
Nem tudo era tensão. Tivemos alguma descontração com as histórias de pescador contadas por Rodrigo Arroz e da tentativa de Reinaldo de fazer Kharatin falar um português mais fluente e até mesmo Sérgio Soares e eu fizemos uma aposta com o perdedor pagando o jantar num restaurante próximo.
Meu pai sempre dizia que no tempo em que treinava, apostas entre jogadores eram muito comuns e em alguns casos, isso valorizava ainda mais o jogo.
O dia chegou e as duas torcidas lotaram seus espaços no Centenário.
A vitória em casa era fundamental pra sair na frente nesta decisão de 180 minutos e os rapazes mostraram sua qualidade não dando chances aos meias do Juventude criarem.
Lameiras abriu o marcador com um golaço no fim do primeiro tempo. Chapelou Cal, botou a bola no meio das pernas de Hélder e esperou Elias sair para tocar por cobertura.
Ali o Juventude teve que se abrir proporcionando a oportunidade de encaixar nossos contra-ataques.
Em um deles, Rafael Carioca cruzou e na tentativa de cortar, Vacaria colocou a bola contra as próprias redes nos ajudando a abrir uma vantagem considerável.
O curioso foi que o próprio Vacaria fez o gol da vitória no jogo da primeira fase e ali vi o quanto o futebol as vezes é cruel com o herói de hoje virando o vilão de amanhã.
Tudo o que precisávamos fazer no jogo da volta lá no Alfredo Jaconi era resistir á pressão infernal do Juventude e achar um golzinho para sacramentar a volta do Caxias a final do Campeonato Gaúcho após 17 anos.
E despachar um grande rival no processo.
* * *
O segundo jogo no Alfredo Jaconi foi como eu esperava.
Sérgio Soares fez o Juventude jogar pressionando nossa saída de bola para forçar os passes errados, mas deixou as brechas para os chutes de fora da área e em um deles, Rafael Carioca abriu o placar.
Era o gol que nos levaria a final.
Jogamos com mais tranquilidade e os rapazes não se apavoraram quando Douglão empatou para o Juventude diminuindo a vantagem para dois gols.
No minuto seguinte, Maílson, que tinha acabado de entrar, fez o gol logo em seu primeiro toque na bola nos dando a vantagem necessária para administrar o jogo.
Douglas ainda empatou novamente o jogo, mas não o suficiente para tirar nossa vaga a final após 17 anos.
Nosso adversário seria o Internacional que havia vencido duas vezes o Lajeadense e tentaria chegar ao tricampeonato consecutivo.
Outro jogo difícil para nós.
Naquele momento, contudo, só pensava em uma coisa.
Em cobrar a aposta que fiz com Sérgio Soares degustando um belo jantar com tudo pago.
* * *
Pra minha surpresa, Sérgio Soares não esqueceu da aposta e fomos com nossas esposas jantar num restaurante de luxo na quarta-feira á noite.
O jantar estava suculento e soube de coisas muito interessantes a respeito dele que envolveram meu pai.
Nos tempos de jogador, foi treinado por ele em sua passagem pelo Guarani em 1995 e ficou surpreso quando soube que eu era seu filho.
Entre amenidades, falamos o quanto a profissão de técnico é tão complicada não só no Brasil, mas pelo mundo inteiro.
Os técnicos até ganham um salário razoável, mas sofrem pressão constante não só da diretoria do clube, mas também da torcida e da mídia.
No fim do jantar, ele me deu umas dicas sobre o Inter e falou que é um time bem armado taticamente com jogadores bastante qualificados.
Citou bastante Lisandro Lopez que mesmo com seus 33 anos, ainda era capaz de desequilibrar uma partida.
Desejou-me boa sorte e prometeu que nos duelos da Série B, eu é que teria que pagar o jantar.
Tive a impressão de que ganhei ali um novo amigo.
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Enfim chegou o grande momento em minha curta carreira como treinador. A participação em uma primeira final de competições oficiais.
Pedi aos rapazes foco total nos dois jogos em busca de fazer uma partida praticamente perfeita como contra o Grêmio.
No entanto, tudo deu errado embora os jogadores tenham feito uma partida além das expectativas.
Levamos uma goleada vexatória em casa por 6 x 2 com Lisandro Lopez fazendo a diferença com três gols ainda no primeiro tempo.
O time ainda segurou o empate logo no início, mas ali descobri que a diferença de técnica era muito grande entre os times.
A saída foi horrível. A torcida vaiou fortemente nosso time e alguns torcedores mais exaltados já faziam protestos querendo a minha cabeça e a muito custo consegui acalmá-los prometendo uma atuação digna no jogo de volta lá no Beira-Rio.
Porque o título havia ido pro espaço.
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Não tínhamos muito a fazer a não ser tentar uma vitória para recuperar um pouco de nossa dignidade e a impressão é que não estávamos mais pressionados em busca do título.
Fizemos uma boa partida no Beira-Rio e chegamos a empatar por duas vezes, mas Lisandro López novamente fez a diferença com dois gols logo no início confirmando o tricampeonato gaúcho para o Internacional.
Ao menos, pude saborear minha primeira final e levei o Caxias a um honroso vice-campeonato gaúcho.
Ali também percebi duas coisas:
Uma, de que os meus atacantes voltaram a marcar gols o que nos dá um pouco de alento para a Série B. Nas finais, Charles marcou três gols e Lucas Dantas marcou um.
E a outra é que Diego Aguirre comprovou minha teoria de que os técnicos estrangeiros podem sim fazer sucesso no futebol brasileiro o que reforça ainda mais a necessidade de intercâmbio com os técnicos de outros países.
Agora o Campeonato Gaúcho virou passado e é hora de lamber as feridas e treinar bastante visando um novo desafio.
A tão sonhada Série B.
Nossa estreia será contra o Figueirense, lá no Orlando Scarpelli, e uma boa arrancada seria fundamental para nosso maior objetivo.
A permanência.
CONTINUA...