Amigas

As duas podiam se dizer amigas inseparáveis. Fizeram a transição dos loucos anos 20 juntas. Cortaram o cabelo a La Garçonne, compraram vestidos modernos, aprenderam a dançar o charleston, uma dança que articulava os joelhos elevando os pés para os lados. Estavam na moda.

Um dia passando pela vitrine de uma loja, observaram um chapéu que se tornou o grande desejo das duas. Era um chapéu justo com aparência de sino e aba estreita, chamado Cloche.

Entraram, pediram para experimentar, e curioso, as duas gostaram exatamente do mesmo modelo e cor. Berenice pediu que a amiga escolhesse outro, e a amiga Eulália se negou terminantemente a mudar para outro chapéu.

Se eram vistas sempre juntas como haveriam de comprar o mesmo modelo. Mesmo que não usassem no mesmo momento sempre pareceria que era um único chapéu para as duas. Discutiram, falaram alto e até pediram a opinião do vendedor. Este prometeu trazer outros modelos ainda mais bonitos. Mas elas se negaram. Eram ambas teimosas.

Outras senhoras que se encontrava na loja, resolveram intervir para acabar com a contenda. Uma das senhoras fez um discurso dizendo que o chapéu A combinava mais com os olhos de Berenice e que o Chapeu B dava mais visibilidade ao rosto de Eulália. Mesmo assim não houve solução e acabaram saindo da loja cada qual com o mesmo chapéu.

As amigas ficaram pela primeira vez na vida de rosto virado. Apesar de morarem em casas geminadas e terem que se ver todos os dias, faziam se de desconhecidas. No entanto, esse entrevero não durou muito. E fizeram as pazes. Por uns dias o caso do chapéu foi esquecido.

Até que um dia resolveram ir ao cinematógrafo. E nesse dia concordaram que uma delas usariam o chapéu novo, enquanto a outra usaria um outro não tão bonito como aquele. Resolveram tirar a sorte. Berenice saiu vitoriosa. Se vestiram elegantemente e lá se foram juntas para o cinematógrafo. A porta do Cine foram avistadas por um belo rapaz. E não se sabe se foi pelo chapéu ou pelos encanto que ele teve olhos para Berenice. Eulália notando o desinteresse por ela, se viu emburrada. E passou todo o filme de comédia sem dar uma gargalhada.

Na saída do filme o atrevido rapaz se dirigiu a Berenice e perguntou se podia acompanhá-las até casa dela. Sem saber se seria apropriado, apesar de serem moças modernas, tiveram receio de que os pais não concordassem com tal indiscrição. Mas para felicidade de Berenice, o primo Carlos ia saindo do Cinematógrafo e ela acenou para ele pedindo que viesse ter com eles.

Berenice apresentou os rapazes. O paquera se chamava Nicanor. E após apresentações seguiram para casa. Eulália teve que se contentar com o primo de Berenice. O passeio era estreito para que os quatro viessem lado a lado.

No trajeto Berenice soube que Nicanor era caixeiro de uma loja de sapatos. Ficou feliz que o tivesse conhecido, o rapaz era bem-apessoado, e falava bem.

Na semana seguinte a moça estava ansiosa para ir ver outra fita no cinematógrafo. Passou a semana inteira falando de Nicanor para Eulália que estava entediada com a conversa da amiga. No domingo, Berenice acordou indisposta, pensou ser algo passageiro. Mas assim que a mãe entrou no quarto notou que havia algo errado.

– Filha o que aconteceu com você?

– Estou indisposta, e sinto dor abaixo da orelha.

– Deixa eu ver ! Viche filha é caxumba.

– Não, não pode ser. Não posso ficar aqui o dia todo.

– O dia não, uns dias.!

A mãe pegou o espelho e mostrou o inchaço para a filha que imediatamente descartou sua saída. Mandou chamar a amiga e pediu que fosse ao cinematógrafo e dissesse ao rapaz da impossibilidade de sair de casa.

Eulália se mostrou a mais preocupada das amigas. Prometeu que daria o recado ao Nicanor. E a outra pediu que ficasse de olho se alguma sirigaita desse em cima do rapaz.

À tarde a amiga se preparou para ir ao cinema. Mas evidentemente teria que levar outra amiga. Como era de costume passou muito tempo se produzindo para sair. Vestiu seu melhor vestido, passou o carmim, a boca foi cuidadosamente desenhada em coração. Sem que a amiga visse, pinçou as sobrancelhas e as pintou a lápis num risco fino, à moda das atrizes de cinema. E para completar o visual, o chapéu Cloche da contenda anterior das amigas.

A outra amiga, Licínia, foi encontrar a moça na porta da casa dela. Licínia era uma moça extrovertida e até guiava o próprio carro. Eulália estava se sentindo exultante. Partiram e não foi se despedir da amiga como o prometido, já estavam atrasadas.

À porta do Cinematógrafo não viu Nicanor. Quase na hora de entrar ele aparece e a chama por Berenice. Quando se vira o rapaz se surpreende.

– Pensei ser Berenice!

– Deve ser pelo chapéu!

– Sim, o chapéu é realmente muito parecido!

– Mas a dona do chapéu é bem diferente, não acha!

– Com certeza!

Assistiram ao filme juntos. Dessa vez Eulália gargalhou muito. Ao saírem foram os três a confeitaria. E Nicanor era só elogias para a moça. Não se sabe se foi esquecimento ou desinteresse, Nicanor não perguntou por Berenice e nem Eulália se lembrou de dar o recado da amiga. Simplesmente estavam felizes.