A LUA DE MEL

Transcorria a Década de Sessenta.

O jovem casal, depois de três longos e angustiantes anos de namoro, iria, finalmente casar-se. Angustiantes para ele, porque sempre quis avançar além do que era permitido. Ela, como perfeita guardiã que era da moral e dos bons costumes o colocava no devido lugar.

Ela foi criada pelos avós que, embora vivessem no princípio dos anos sessenta e estarem dentro de nova época, encontravam-se, no entanto, em termos morais vivendo na década de quarenta.

Ele, namorado afoito e cheio de desejos, havia tentado de todas as maneiras induzir a namorada a ir além daquilo que ela achava ser permitido. Quando, finalmente, chegou o dia do casamento, ele quase nem acreditava.

Pobres, porém cheios de coragem, iriam iniciar uma vida que tinham idealizado com milhões de sonhos que iriam concretizar-se a partir da oficialização do casamento.

A lua-de-mel seria passada em Santos, assim como fazia a grande maioria de paulistanos pobres ou operários, que não conseguiam ir além dali. A própria condição financeira não permitia viagens maiores, pois, naquela época, as dificuldades eram enormes.

As despesas seriam mínimas; um grande amigo da família tinha um barraco perto da praia do Gonzaga e tinha oferecido o local para o início da convivência a dois. Haviam sortido a geladeira e colocado no pequeno barraco tudo que o jovem casal iria usar durante uma semana de sonhos e de desejos que seriam satisfeitos.

Depois do casamento e da costumeira festa, eles se prepararam para pegar o ônibus que partia da rodoviária da Capital às 11 horas da noite.

O jovem, casado, muito atrevido, olhava para a esposa e piscava de maneira furtiva e maliciosa, tentando com isso, colocá-la envergonhada . Quando pegaram o ônibus e este começou a viagem, ele, já casado, podia se aventurar e ir conhecendo melhor aquele corpo que tanto desejara durante todo o tempo de namoro e noivado.

Ela, embora também o desejasse, parecia ver centenas de olhares na direção deles, por isso o repelia delicadamente e dizia:

- Bem, aqui não, só depois que chegarmos a Santos.

Embora ela o admoestasse, ele ia tentando minar suas forças e com isso acender o desejo que ela ainda tentava reprimir, para poder amar o marido do jeito que sempre sonhara. Ela estava disposta, mas só numa cama limpa e decente e, além disso, longe dos olhares, por isso sempre que ele tentava ir mais longe com carícias ousadas, ela somente dizia:

- Bem, aqui não!

Quando, finalmente, o ônibus parou num ponto que ficava na entrada da cidade, eles desceram e foi aí que ela disse:

- Querido, tenho uma notícia ruim para lhe dar.

- O que é?

- Eu esqueci de pegar a chave do barraco que coloquei embaixo do pingüim que está sobre a geladeira.

Naquela época, onde havia uma geladeira, havia um pingüim de porcelana sobre esta. Até parecia uma crença. A publicidade havia criado um novo deus das donas de casa. A família que tinha uma geladeira não poderia ficar sem um pingüim sobre ela.

Quando ele ouviu as palavras da mulher, dizendo que havia esquecido a chave sobre a geladeira, quase se irritou, porém com certa frustração e resignado disse:

- E agora, o que vamos fazer?

Ela, muito prática e de raciocínio rápido falou:

- Vou telefonar para casa da vovó e pedir que mande as chaves para nós pelo próximo ônibus que sair de São Paulo.

E assim fizeram, mesmo com grande dificuldade, naquela época telefonar não era tão fácil.

Enquanto esperavam o próximo ônibus chegar, trazendo as chaves, foram até um bar que ainda se encontrava aberto, na madrugada. Quando entraram, os freqüentadores do bar olharam para os recém-chegados e o dono do boteco perguntou:

- O que vão querer?

- Café, respondeu ele, meio constrangido, sentindo-se como se todos soubessem por que eles estavam ali.

Tomaram o café acompanhado de pastéis, que pareciam ser feitos de couro, devido a sua dureza,rigidez e falta de sabor.

Ainda encabulados, com os indiscretos olhares dos freqüentadores do bar, saíram e foram sentar-se na praça que ficava bem perto dali, onde o ônibus costumava parar.

Enquanto esperavam as chaves, ela não o deixava passar dos limites de quando ainda eram namorados. Muito embora, naquele momento, já estivessem casados. Seus sonhos teriam que ser realizados do jeito que ela sempre imaginara.

Já estava clareando, quando o ônibus parou. Ele, muito apressado, dirigiu-se ao motorista que, neste momento já estava com as chaves na mão, balançando-as enquanto em tom de mofa e gozação disse:

- E aí, estão gostando da lu- de-mel?

Meio envergonhado, mas tentando mostrar naturalidade, respondeu:

- Ótima.

Pegou as chaves e, depois de agradecer ao motorista, desceu as escadas e foi ao encontro e início de vida que já esperava há tanto tempo.

Quando chegaram ao barraco onde iriam iniciar a vida a dois, depois de olharem e conferirem tudo, cada um, em separado, foi tomar banho.

Ele, que já não agüentava mais tanta espera, quase se atirou sobre a jovem esposa quando esta chegou do banho, toda cheirosa. Ela, no entanto, querendo dar o rumo da vida, disse:

-Calma amor, por que tanta pressa ? Afinal, temos a vida toda para isso e com um largo sorriso abraçou-se a ele.

Abraços, amassos, beijos e carinhos e, de repente, aquele som aterrador. Do lado de fora do barraco, um barulho indescritível interrompeu o momento mais esperado por ele.

Calaram-se e, atentos, ouviam as pancadas que pareciam ser dadas perto da porta de entrada.

Imaginando ser um ladrão ou um mau elemento qualquer que pudesse vir a fazer-lhes mal, ficaram em silêncio. O som acontecia em espaços regulares, aumentando ainda mais a tensão e o medo.

O medo, a ansiedade e toda sorte de maus pensamentos fizeram com que sua empolgação acabasse. Ele, mole em cima da cama, tentava encorajar a mulher ao mesmo tempo em que demonstrava ser o mais corajoso dos homens. No entanto, tremia.

Tentando vencer o medo e acabar com todo aquele drama que já parecia ter horas, ele levantou-se e, pé ante pé, foi até perto da porta e tentando demonstrar aquilo que não era, com uma voz rouca e grossa, gritou:

- Você que está ai fora, está querendo o quê? E complementou; Eu estou armado!

Como não obtivesse resposta ao seu arroubo de coragem, voltou a tremer, quando, novamente o som aconteceu. Ele criou mais coragem e, olhando pelo buraco da fechadura, viu uma mula pastando tranqüilamente em frente à entrada da casa. Respirou aliviado, quando viu que ela, com a pata dianteira, batia no chão e provocava aquele barulho que tanto o assustara.

Todo cheio de coragem, abriu a porta e, depois de certificar-se ainda mais uma vez de que nada de perigoso havia, gritou para a mulher que, naquele momento, estava escondida debaixo da cama, conforme ele mesmo havia pedido.

- Querida, venha cá ver o que está provocando todo esse barulho.

Ela se aproximou meio desconfiada e, quando ouviu as explicações dele, começou a rir e, nesse momento a mula se assustou e saiu em disparada.

Ele sorriu satisfeito por sua coragem, então olhou para a esposa que saia lentamente de seu lado e se dirigia ao banheiro.

Deitou-se e aguardou a esposa que ao chegar perto dele, falou de forma lenta como se sentisse medo da reação dele:

- Bem, você não vai ficar zangado se eu lhe contar uma notícia ruim?

Ele, sem imaginar o que poderia ainda de ruim acontecer para estragar sua lua-de-mel, disse:

- De jeito nenhum.

Ao que ela respondeu:

- Fiquei menstruada, acho que foi o medo.

Sem nada poder fazer, apenas desarmou o pau-da-barraca e viu que o relógio já marcava oito horas, então disse:

- Não se preocupe, vamos dormir que depois do almoço nós vamos à praia.

Deitaram-se e depois de muitos risos e carinhos adormeceram. Afinal, toda a expectativa, erros e acertos tornara-os muitos cansados para se preocupar com alguma coisa que não fosse dormir.

Quanto ao resto, teriam toda uma vida para praticar.

09/12/06-VEM

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 18/10/2007
Reeditado em 24/04/2009
Código do texto: T700009