Conto das terças-feiras – A balança
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 7 de julho de 2020
Eu nunca fui vaidoso, mas minha mulher me ensinou a ser. Quem já pesou 84 kg em um corpo de 1,62cm sabe o sacrifício que é sair dessa. Ela sempre foi magra, e sempre se vangloriou dos seus 48-50 kg, até depois de três filhos e cinquenta anos de casada. Ela sempre teve muito cuidado com a sua saúde, e passou isso para mim. Hoje mantenho uma balança debaixo do armário da pia do banheiro que acesso com o pé, todas as noites, depois do banho e pelas manhãs ao acordar, antes do desjejum. Acho que já é paranoia minha, pois ela tem oscilando entre 72 kg e 73 kg, isto é, um quilo. Depois de uma semana sem consultar a minha Personal Trainer, a dona balança, resolvi fazer uma consulta. Chamei-a para junto de mim e cavalguei-a. Caí do cavalo, isto é, da égua da balança. O susto foi enorme, ela marcava 90 kg, um coice no meu abdômen. Eu não me sentia pesado, isto é, gordo, porém, ela nunca havia falhado, sempre andava no compasso certo – 72-73 kg. Dei um grito que acordou a minha esposa que correu para ver o que era.
— Esta balança está quebrada. Olha só o que me diz: 90 kg. Desesperado, continuei a xingá-la – sua desclassificada, “tá me tirando?” Vou jogar você pela janela, você não presta mais.
— Calma, Gil. Deixe-me ver.
Ela pegou a balança, trouxe para mais perto dela, mexeu em alguma coisa que eu não percebi e colocou-a no chão. Subiu e falou — Ela não está quebrada. Olhe aí, 49 kg. Continuo pesando só isso.
Aquela observação me deixou mais zangado, peguei a “mardita” e corri para o carro... — Vou mandar consertar. Você não percebe que tem algo errado com ela?
A resposta foi seca, — Não! Disse isso com a cara mais lavada do mundo. Nem pestanejou. Parecia que ela sabia o que estava dizendo.
Saí às pressas com a balança na mão. Não queria ficar mais nem um minuto sem uma balança a funcionar. Se o técnico não der um jeito, compro uma nova, saí resmungando. A esposa parecia querer dizer alguma coisa, mas não disse. Notei um querendo sorrir, mas não questionei.
Ao chegar à oficina de balanças, narrei o ocorrido para o técnico que me mandou colocá-la no balcão para fazer a comanda de recebimento do objeto. Perguntou se ela estava na garantia, se tinha nota fiscal, meu nome, endereço, telefone. Aquilo estava me deixando impaciente. O sangue fervia de tanta raiva. Uma, porque o meu peso estava errado e o da esposa estava certo. Outra, porque ainda era cedo e eu já estava querendo brigar com alguém, descontar aquela situação, já que não descontara na Personal Trainer.
Depois das perguntas e respostas, questionário preenchido e assinado, me foi entregue uma via, com a recomendação que eles me telefonariam quando o orçamento estivesse pronto para aprovação. Aquilo me deixou mais irritado, pedi a balança de volta, rasguei a minha via e fui procurar outra oficina. Eu sabia que mais adiante encontraria uma, pois tinha visto quando entrara naquela rua.
Fui atendido por uma garota discretamente maquiada, cabelos longos e pretos, rosto afinado e fisionomicamente bonito.
— Bom dia, senhor. Em que posso ajudá-lo? Olhei para ela e sorri. Gosto de ser atendido com amabilidade, então, respondi.
— É esta balança. Já a tenho em minha casa há mais de 6 anos. Nunca deu defeito. Agora marca meu peso exageradamente. Já o da minha esposa marca certo. Isso não pode ocorrer, não é?
— Vou chamar um técnico para falar com o senhor.
— Bom dia, senhor. Qual o problema com a sua balança?
Um pouco menos irritado, relatei o que estava acontecendo. O homem pegou a balança, virou de todos os lados, abriu um sorriso e mostrou-me uma pequena peça de plástico que alguém havia colocado recentemente nela.
— Isso aqui é uma brincadeira para alertar às pessoas que precisam perder peso, disse-me ele.
A raiva aumentou, peguei a balança e voltei para casa muito chateado. Era primeiro de abril e eu havia caído nessa.