Não me preocupo com nomes

Finalmente tomei coragem e puxei assunto com o porteiro do prédio em que trabalho. Foram alguns meses de relutância: nas primeiras semanas dediquei-me somente a ignorar sua existência, pelo simples fato de odiar qualquer tipo de comunicação antes das nove da manhã. Com a passar do tempo as coisas foram acontecendo e nosso relacionamento foi ganhando forma. Certa vez cheguei esbaforido olhando pra baixo, e fui surpreendido por uma voz serena:

- Pode passar direto, o sistema está quebrado.

Era o porteiro, falou enquanto arrumava sua gravata vermelha.

Á partir daí, esforcei-me para pelo menos olhá-lo, principalmente na hora de ir embora. Alegrava-me a sensação de que ele poderia olhar de volta e chegar a conclusão de que seu turno estava acabando. Logo, eu, tentava demonstrar um semblante de resiliência.

- Calma amigo, vai passar – Meu rosto gritava.

Nosso ponto de mudança ocorreu quando meu crachá perdeu sua única função: liberar o acesso na catraca. Frequentemente gosto de ficar pensando nas pequenas coisas que deram errado comigo, e noto que na maioria das vezes essas pequenas coisas fizeram com que eu conhecesse uma pessoa nova.

E o que acontece quando seu crachá para de funcionar? Você o troca. E foi aí que tudo aconteceu.

Primeiro tive que dar bom dia e lhe explicar todo o ocorrido.

- Mas como ele parou de funcionar do nada?

- Hoje em dia nada funciona direito.

Achei que ele era mais um do tipo louco, desses que perguntam e já respondem, então fiquei em silêncio.

Depois de uma longa jornada de quinze minutos esperando e algumas batidas no teclado, ganhei um novo. Estava pronto pra ficar sentado em uma mesa por oito horas.

- Pode passar, disse o meu amigo, enquanto endireitava a sua gravata, dessa vez azul.

No dia seguinte senti-me na obrigação de lhe dar um animado bom dia e agradecer a troca. Depois tudo ficou mais fácil. Era uma fala sobre o tempo aqui, uma reclamação sobre a rotina acolá. Outra vez mesmo ele me parou repentinamente, perguntando se eu entendia de computador, pois segundo ele o que estava na recepção é de “mil novecentos e bolinha”.

- Tem que atualizar as coisas, né? Disse, enquanto arrumava a gola de sua camisa, sem gravata.

Acredito fazer um ano desde que estamos nessa. Ele provavelmente não sabe meu nome e eu também não sei o dele. No entanto isso não diminui o tamanho do afeto e da admiração que tenho por ele. Quantos de nós se propõe a apenas viver? Apenas acordar, escolher a gravata do dia, tomar café, chegar no trabalho sempre as sete horas da manha e ser extremamente educado?

A política está péssima, metade da cidade alaga toda semana e hoje li que a taxa de homicídios voltou a subir. Mas ele está sempre ali. Escrevo isso já há alguns meses sem vê-lo. Espero que esteja bem.