UMA MÃE, UMA HISTÓRIA, UM MITO...

Minha avó, grávida da minha mãe, andava lá pelas cercanias do extremo norte do Estado de Alagoas, mais precisamente, já próximo a divisa com o Estado de Pernambuco (minha mãe, nasceu na Cidade de Palmeira dos índios – Alagoas), em meio à flora, em busca de algo, alguma raiz, alguma árvore frutífera, etc., para mitigar a fome dos integrantes do clã, uma vez, que haviam se instalado (ela, meu avô, minhas tias, tios), ali bem perto, tentando sobreviver...

Já haviam saído do Estado de Pernambuco, tendo em vista a grande dificuldade de sobrevivência, entrado no Estado de Alagoas. Meu avô, ainda desempregado, tentavam de alguma forma arranjar algo para comer, pois, as dificuldades eram imensas. Mas, pelo visto não estava dando muito certo a estadia por lá.

Já estava há algum tempo procurando e nada. O Sol à pino, 38 o, 39 o. graus, sede e nada mais restava a fazer, senão retornar ao convívio e dar a notícia a criançada, de que não havia encontrado nenhuma fruta e nenhuma planta comestível.

Pensando nessas circunstancias adversas e já retornando para o local onde, todos a aguardavam, com certeza ansiosos, cabeça baixa, não percebeu que estranhos se aproximavam...

Quando deu por si, estava defronte 30 ou 40 homens. Algumas mulheres, alguns cachorros. Todos, à exceção dos cachorros, armados. Cartucheiras cruzadas no peito, do meio de vários pontos na cor chumbo, sobressaia-se detalhes na cor prateada que brilhando ao sol, davam a impressão que traziam, aqueles homens, consigo, luzes ofuscantes.

Vendo a total estupefação de minha avó, um deles, estatura alta, trajando roupas desenhadas, calçando alpercatas*, armas brilhantes também, imenso punhal pendendo da lateral do corpo, trazendo num dos olhos uma espécie de “tapa olho” e um chapéu com desenhos frontais, usado transversalmente, já a época constituindo a indumentária, de vaqueiros sertanejos, se adiantou e disse: “se avexe não! Não tenha medo! Que faz por aqui?”

Contendo o medo que a dominava, conseguiu minha avó falar, atrás de sua barriga enorme de 08 meses de gestação: “procuro alguma coisa para comer meu senhor. Já que além desse (não sabia que o feto era mulher, minha mãe), falou segurando a barriga, ainda tenho mais 04 filhos (diga-se de passagem, um número muito ‘baixo’ de filhos para os padrões vigentes. Geralmente, eram 09, 10 e até 20 filhos), esperando em casa, que lhes leve alguma coisa para comer, mas, não encontrei nada e vamo passar fome!”

O homem levantou a mão e alguém lhe trouxe um “bisaco”(1), interior do qual, ele mesmo, tirou uma coxa (conhecida por “quarto”) de carneiro, cabra, algo assim, um pequeno saco de farinha, uma rapadura e um pedaço de queijo seco e falou: “vai, vai e dá comida para os teus filhos...” E uma recomendação: “não viu ninguém, hein?!”

“Pode deixar meu senhor”, falou minha avó já mais calma. “Nunca vi ninguém!” Completou.

Retornou para sua casa e quando as crianças viram o que trazia consigo, pularam, festejaram e nem perguntaram de onde ela havia “tirado” aqueles gêneros ou quem fora que havia lhe feito tamanha caridade...

Depois, décadas depois, ela me contando disse, que desde o primeiro momento, já sabia que se tratava de Virgulino Ferreira da Silva, “Lampião”, para outros, “Cangaceiro”, para ela, naquele momento e naquelas circunstâncias, para sempre, seu benfeitor. Ele, Maria Bonita e bando. Depois, ainda complementou, não se recordar de ter sido tão bem tratada, por pessoas, ditas boas, futuramente, ao longo de sua vida.

(*) ALPERCATA: Calçado em que a sola, de corda ou de borracha, se ajusta ao pé por meio de tiras de couro ou de pano. ALPARCA, ALPARCATA, ALPARGATA, ALPERCATA

(1) BISACO: Pequeno saco de pano usado geralmente a tiracolo. = BORNAL

Jfranck
Enviado por Jfranck em 25/06/2020
Código do texto: T6987658
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