A Luz que vem do alto.
A senhora do décimo oitavo andar fecha o livro que esteve lendo nas últimas duas horas, assim que nota que a claridade de sua varanda envidraçada diminui.
Fecha o livro como quem fecha um porta-joias.
Detém o olhar intrigado naquela capa azul-marinho:
__ Quantos segredos não revelados!
Ao erguer-se, a mulher vai até a janela de vidro de onde pode ver a cidade que começa a acender as luzes, embora o céu ainda guarde um pouco do alaranjado do entardecer de outono.
Dedica-se a regar as plantas viçosas que mantém em vasos e cada uma delas parece agradecer.
Dona Ângela mora só, mas não é sozinha. Possui, além de várias atividades, criatividade e inteligência vivas.
Há um momento do dia em que nada pensa - quando se exercita; noutro a sua atividade mental é intensa – após ver o noticiário matutino que ela enriquece com suas informações de leituras, vivências e certa dose de intuição que raramente falha.
Para ela, a História se repete assim como as artimanhas de políticos, capitalistas e latifundiários.
O manto da noite cai sobre a cidade.
As avenidas se transformam em fios dourados e luminosos. O olhar da mulher paira sobre a imensidão de luzes fixas e “piscantes” que lhe sugerem milhares de corações pulsando, dos quais 99% são manipulados por vis “organizações” políticas.
Estórias, histórias e notícias se misturam dentro dela.
Já é quase meia noite.
Dona Ângela encerra o seu dia. Senta-se em sua cama e, após meditar, se coloca em prece pelo Brasil.
Mentalmente, lhe surgem as imagens de Maria e Seu filho Jesus no alto, à direita da tela mental, brilhando como uma luz “cegante”, ambos olhando para baixo, abençoando o país.
Profundamente calma, a senhora se recolhe ao leito com a paz dos que fazem a sua parte e sabem entregar ao mundo espiritual o que está além de suas forças.
Dona Ângela talvez nunca tenha percebido que a Luz que vem do alto enquanto ela faz a sua prece, primeiro, ilumina o seu coração.
Para Mara da Câmara
21/06/2020 – lua nova.