Conto das terças-feiras – A vizinha louca
Conto das terças-feiras – A vizinha louca
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, 23 de junho de 2020
Era uma casa com mais de 300m2, acomodava muito bem uma família de seis pessoas, pai, mãe, três filhos e uma empregada. Satisfeitos, marido e mulher prontamente acertaram com o corretor e fecharam o contrato de aluguel. O valor estava dentro das possibilidades do casal, menor que do mercado para uma casa com uma grande sala de visita, boa sala de jantar. três quartos, quarto para empregada e boa cozinha. Uma regular área externa de serviço, sem garagem coberta. O espaço para carros era dividido entre o inquilino de pavimento superior e a inquilina do pavimento térreo. Sua frente se dava para um rio, embora sem acesso a ele. Construída em esquinas de duas ruas sem pavimentação e pequenas, que em período de chuva só carro vencia a pequena distância que separava a rua principal da entrada da casa. Mas tudo isso era compensado pelo conforto que ela oferecia e o bom estado de conservação.
A família estava feliz, principalmente as crianças que tinham bastante espaço para brincar. Os problemas começaram a aparecer já no segundo mês. O acesso à caixa de disjuntores que comandavam os diferentes pontos de energia da casa dos novos inquilinos, ficava na entrada da casa do pavimento inferior. Qualquer ruído um pouco mais alto, a vizinha desligava o interruptor principal, deixando a casa superior às escuras. Era preciso chamar a companhia de energia para restabelecer a luz, já que não seria legal outra pessoa invadir a residência da mulher provocadora.
O ato insano mais grave que a dita senhora cometeu, foi com o automóvel, instrumento de trabalho, do novo morador. Ao dirigir-se para o seu carro, para ir ao trabalho, o encontrou com os quatro pneus furados de faca. Ele percebeu que a mulher estava na janela, escondida por trás de uma cortina e rindo. O jeito foi solicitar um guincho para levar o carro a uma borracharia.
No dia seguinte, quando ia para o trabalho, parou o carro na esquina e voltou até à sua casa. Algumas vezes a empregada havia relatado que a garota que trabalhava para a louca, costumava subir a escada e bater na porta ou jogar lixo pela janela da cozinha, e sair correndo. Nesse dia o novo inquilino pegou a garota em frente à sua porta, gritou para ela descer senão iria buscá-la pelos cabelos. A menina desceu correndo, quase caiu, machucando os joelhos. Depois desse acontecimento tudo se acalmou. No entanto, passados dez dias, o novo inquilino recebeu uma intimação do delegado da cidade, para prestar esclarecimentos sobre o ocorrido, afirmando que ele havia batido na adolescente, deixando marcas.
No dia marcado a patroa e a garota já estavam lá, conversando e sorrindo. Quando o intimado entrou na delegacia, a vizinha esboçou um ar cínico de felicidade, não intimidando-o. Ela foi a primeira a ser chamada, contou sua história exagerando por demais. A cada acusação olhava para a garota e perguntava, de forma afirmativa, se não havia sido assim. A garota baixava a cabeça e não respondia. O depoimento durou mais de uma hora, enquanto o inquilino permanecia todo esse tempo calado. Percebera que o delegado pouco anotava, fez poucas perguntas, e que na resposta ela se alongava demais. Como era cedo, o delegado parecia cochilar. Encerrada a oitiva da demente, o inquilino foi chamado.
O delegado pediu que o intimado fizesse a defesa dele. Seu relato começou com os apagões que a tresloucada impingia a eles, passando pelo lixo jogado pela janela. A cada relato ela se levantava da cadeira e dizia que era mentira, que nada daquilo acontecera. Na terceira tentativa de interferência o delegado mandou-a sentar-se e calar a boca. Quanto ao episódio dos pneus furados, ela levantou-se, ensaiou um discurso mais foi contida pelo policial. Percebendo que o agente policial já estava farto daquelas cenas, ele foi direto ao assunto do espancamento da garota, pedindo para que o delegado perguntasse diretamente à garota se ele havia tocado nela, se a machucara, como estava na delação. De cabeça baixa, sem olhar para a patroa, a garota respondeu que não, que ela caíra ao descer a escada correndo.
O delegado encerrou os depoimentos, chamou a vizinha à sua frente e ordenou que não mais importunasse os vizinhos do andar superior. Caso houvesse uma só reclamação deles, ela seria detida. A mulher baixou a cabeça, respondeu que sim e saiu de fininho. O intimado agradeceu ao policial e saiu, agora mais aliviado. Mesmo assim, foi direto à uma imobiliária, à procura de um outro imóvel para alugar. Depois dirigiu-se ao dono da casa onde residia, contou o que acabara de acontecer e informou que no dia seguinte estaria devolvendo as chaves. Tinha medo de vingança. Como era final de mês, o aluguel já estava pago, o proprietário não questionou e pediu desculpa. A moradora do andar térreo era amiga de longa data do proprietário do apartamento, e conhecia o gênio da amiga.
A esposa do senhor desconfiava que a louca se apaixonara por seu marido, como não era correspondida fazia tudo aquilo. Aliviada começou a arrumar a mudança, não quis nem conhecer a casa nova. Na manhã do dia seguinte já estavam de mudança.