213 - O Refugiado
Não era dali. O que falasse ninguém percebia. Apontavam-lhe o serviço e ele fazia. A princípio doeram-lhe os calos das mãos, a falta de jeito, o tom das falas e dos mandos, o desprezo dos que, como ele, eram explorados e mal pagos. Por isso ficava calado, por isso pegava no prato e afastava-se para não perturbar ninguém. Fechou em si o passado e nunca mais, nem em sonhos, voltou à sua origem. Tinha horror ao que viveu na guerra, na cadeia, na fuga. Apagou tudo para reunir forças para sair sem olhar para trás e chegou quando faziam falta braços para cuidar da terra. Fizeram eles o preço, disseram onde dormiria e porque não sabiam dizer o seu nome, chamavam-lhe José. Todos, ao domingo, tomavam banho no açude e ele era o último a entrar na água. Como das demais vezes, aguardava distante mas atento. Viu como o homem esbracejava em grande dificuldade e como o companheiro, que não sabia nadar, gritava por socorro. E ele correu, nadou e trouxe para a margem o homem desfalecido. Fez o que foi preciso para salvar o afogado e quando por fim o homem voltou a si, abandonou o local em silêncio. Ao outro dia todos quiseram aprender a dizer o seu nome. Nunca mais ninguém lhe chamou José.