Paisagem urbana

- Como vai ocupar o seu tempo? - Indagou Mila, já do lado de fora do apartamento.

- Pensei em retomar minhas aulas de dança - replicou Zorana, sem parecer muito animada com a perspectiva. - Ao menos, terei companhia durante uma parte do dia.

- O que me preocupa é você aqui, sozinha, à noite - declarou Mila, preocupada.

- Eu vou ficar bem - afirmou Zorana, tentando soar convincente. - A vizinhança é tranquila, embora não conheça praticamente ninguém no prédio, é verdade.

- Esse é o problema em morar em prédios - ponderou Mila. - Ninguém conhece quem mora no apartamento ao lado, às vezes.

- Por acaso, conheço a vizinha da frente - disse Zorana. - É uma velhinha muito simpática, que tem um gato e pinta quadros. Nos encontramos algumas vezes, saindo ou entrando do elevador.

- Talvez fosse interessante ter mais contato com ela - sugeriu Mila. - Manifestar interesse em pintura, por exemplo.

Zorana riu.

- Confesso que nunca pensei em pintar nada, nem mesmo em tecido...

- Mas é bom criar algum vínculo com alguém que more perto. Se ambas são sozinhas, isso ainda mais se justifica. Serve como proteção mútua, em caso de necessidade.

Zorana balançou a cabeça, lentamente.

- Entendo o que quer dizer.

- Nós vamos sempre nos falar, todos os dias, - assegurou Mila - mas eu vou estar em outra cidade, não vou poder chegar aqui rápido numa emergência.

- Eu vou fazer isso - prometeu Zorana. - Vou falar com a velhinha, ver se ela me sugere alguma ideia para começar a pintar...

- Em tecido, talvez - sugeriu Mila.

- Sim, tecido...

- Toalhas de mesa, que tal?

Zorana balançou a cabeça, em concordância.

- Toalhas de mesa.

- E não deixe de ir às aulas de dança, será bom para fazer novas amigas na cidade.

- Assim espero - suspirou Zorana.

Trocaram dois beijos no rosto. Mila apertou o botão para chamar o elevador.

- Me avise quando chegar em casa - pediu Zorana.

- Avisarei.

- E venha me ver!

- Sempre que eu puder - disse Mila, abrindo a porta do elevador. Entrou na cabine e acenou para a amiga, parada na porta do apartamento.

Zorana acenou de volta, e aguardou que o elevador descesse antes de fechar a porta. Depois, foi até a diminuta sacada da sala, que dava para a rua nos fundos do prédio. Olhou para a paisagem em volta, constituída basicamente de prédios residenciais. Se fosse pintar, que espécie de quadros poderia criar, perguntou-se cética?

Talvez fosse melhor desenhar histórias em quadrinhos...

- [21-06-2020]