O Encontro
Diante do espelho olhou fixamente para sua imagem. Havia vestido sua melhor roupa. A camisa azul claro que sua mãe o presenteou em seu aniversário, a calça bege que foi presente da sua irmã, cintos e sapatos pretos com meias da cor da calça. Não lembrava mais quem havia lhe dado, mas estava certo que também não havia comprado. O perfume que usava ganhou em um amigo secreto, foi presente da Márcia, amiga do escritório. Ainda se lembrava dela com a caixinha na mão dando a dica sobre seu amigo:
_ O meu amigo secreto é uma pessoa muito esforçada e companheira que adora conversar na Internet.
Diante dessas dicas ele se levantou sorrindo enquanto as pessoas do escritório falavam seu nome:
_ Foi o Felipe!
_ Felipe! Felipe! – gritavam.
Ela falava dele mesmo, não havia como negar, pois, de todos ali era o que mais conversava através do monitor. Tinha mais amigos virtuais do que reais. Fora os colegas de escritório e sua família, não se relacionava com mais ninguém. Na Internet ele não era o Felipe Andrade, era o “Big F.” e seu jeito tímido de ser, dava lugar a uma personalidade mais decidida, desinibida e simpática. Usava o teclado do seu computador para se livrar dele mesmo, ser outra pessoa. Alguém que ele não gostava apesar da simpatia que muita gente tinha de si.
Olhando ainda sua imagem pensava em como se sairia hoje no seu encontro com a “Pequenina”, afinal seria ele mesmo, o Felipe. Não haveria surpresa sobre sua aparência, afinal foram varias fotos mandadas, todas recentes. Mas e aquela conversa sem medo que mantinha com ela através do monitor? E como seria pessoalmente aquela garota com quem se relacionava pela Internet a mais de um ano? Teria mesmo vinte e dois anos? Seria aquela loira da foto? Sua simpatia será que também seria a mesma? Precisava ir.
Dentro do táxi olhou as horas. Faltavam apenas trinta minutos para o encontro. Marcaram em frente ao cinema, uma hora antes da sessão. Dependendo do rumo da conversa talvez fossem para outro lugar. Precisaria vencer seu inimigo interno e dizer tudo o que ensaiara diante do espelho, pois, afinal havia se apaixonado por Pequenina que na verdade se chamava Carla. Não poderia deixar-se dominar pela insegurança, tinha que acreditar nele mesmo. Precisava ser “Big”!
Do banco de trás do táxi olhava o mar. Estava alto passando pela Terceira Ponte que é uma das pontes que liga a capital do Espírito Santo, Vitória a cidade de Vila Velha. No alto do morro avistava o Convento da Penha, símbolo histórico não só de Vila Velha mais de todo o estado. O táxi corria, chegaria adiantado no Shopping, mas Felipe caminharia rápido para o local do encontro. Quem sabe ela já estaria lá o esperando. Quem diria a primeira palavra? Que frase seria dita primeiro? E se travasse diante dela, ficaria congelado enquanto ela o olhava com desdém pensando que não era aquele o homem com quem ela se relacionava. Então viraria a costa e sumiria para sempre enquanto ele ficaria ali congelado até um segurança do Shopping recolher e levar para uma loja pensando tratar-se de um manequim.
O táxi estacionou. Com passos largos chegou logo ao interior do Shopping:
_ Pensamento positivo Felipe! Você é “Big F!” Não teme nada!
Subiu a escada rolante e se dirigiu logo ao cinema. Ainda faltavam dez minutos para o horário marcado. Avistou a entrada do cinema. Procurou-a com os olhos, não a encontrou. Mas alguma coisa dentro dele dizia que ela já estava ali. Diminuiu os passos, não queria parecer ansioso.
De repente sentiu umas mãos frias tampando seus olhos. Seu coração acelerou. Segurou as mãos que tampavam sua visão e disse em voz baixa:
_ Pequenina!
_ Sou mais alta que você! – disse enquanto tirava as mãos de seus olhos.
Ele virou-se rapidamente:
_ Márcia!
_ Como vai Felipe?
_ O que faz aqui?
_ O mesmo que você! Vou assistir ao filme!
Naquele momento Felipe ficou assustado com a possibilidade de Carla estar observando-o e tirar conclusões precipitadas. Precisava afastar Márcia dali. Mas como ele ia fazer isso? Estava sem reação. Márcia se adiantou e beijou o seu rosto, permaneceu com o rosto colado e desceu-o até o pescoço:
_ Está com o perfume que eu te dei!
_ É sim! – falou com a voz fraca.
_ Podemos sentar juntos para ver o filme!
Agora era a hora. Ou contava para a Márcia logo o que fazia ali ou perderia a chance de encontrar Pequenina e lhe revelar sua paixão. Precisa tomar uma decisão urgente, mas estava sem coragem de revelar aquilo para sua amiga. Seu rosto transmitia tudo o que ele não conseguia dizer verbalmente. Mas teria Márcia percebido? Chegou à hora de contar:
_ Preciso te apresentar uma pessoa! – interrompeu Márcia.
Pegou-o pela mão e levou até uma jovem que estava de costas. Chamou-a:
_ Cacau!
Ela se virou e Felipe emudeceu ao avistar aquela que ele guardava a foto como plano de fundo do computador. O mesmo cabelo, o mesmo rosto, o mesmo olhar. Ficou sem reação mais uma vez e seu susto foi ainda maior quando a sua amiga apresentou um ao outro:
_ Esse é meu amigo do escritório Felipe!
Ela estendeu a mão que ele aceitou sem dizer nada.
_ Essa é minha prima Carla!
_ Prazer!
Felipe nada respondeu. Carla não mostrou reação nenhuma e o amigo de sua prima segurou sua mão, arrasado apenas queria sair correndo daquele shopping e permanecer em seu quarto trancado e manter suas mãos longe do teclado de seu computador por muito tempo. Tudo parecia louco, ele não conseguia entender, ainda mais quando um homem mais velho que ele, abraçou Carla por trás e ela o apresentou como seu namorado. Despediram-se dele e entraram no cinema enquanto ele olhava a cena, decepcionado.
Quando então ele olhou para o outro lado e pode notar Márcia de cabeça baixa que chorava baixinho. Aproximou dela e perguntou:
_ O que houve?
_ Me desculpe! O que foi que eu fiz?
_ O que está dizendo Márcia?
_ Foi dela não é? Dela que você se apaixonou?
_ Como sabe?
_ Era comigo que você passava as noites, não era com ela... Eu sou a Pequenina!
_ Mas a foto...
_ Eu sei... Desculpe-me! Sempre fui apaixonada por você Felipe, mas nunca consegui me declarar. Foi quando eu tive a idéia de adicionar você como amigo, através do seu e-mail e criei uma identidade falsa. Sempre fazendo o possível para preservar quem eu realmente era. Foi quando você começou a pedir que eu enviasse fotos, quis saber meu verdadeiro nome... Enfim, me transformei na Carla, minha prima. Ela nem sabe disso! – Márcia fez uma pausa e enxugou os olhos, não conseguia encarar o homem que ela enganara a mais de um ano. – Mas agora percebi que foi um erro, não foi por mim que você se interessou, foi por ela, pela sua aparência. Como fui boba! Se tivesse que se apaixonar por mim teria se apaixonado ali mesmo no escritório.
_ Nossa! Estou tonto! – falou Felipe dando um leve tapa na cabeça.
_ Quero apenas que me perdoe! Continue sendo meu amigo! – falou dessa vez olhando-o nos olhos.
Felipe então fitou sua amiga por uns segundos, ela vestia uma calça jeans que colava no corpo realçando suas pernas grossas, vestia uma blusa branca. Era bonita, não tanto quanto a prima. Tinha a pele mais morena e era três anos mais velha. Os cabelos negros, lisos, soltos caindo sobre os ombros. Ele conhecia aquela garota que trabalhava com ele há quatro anos, mas não conhecia aquela que chorava na sua frente. Todo dia existe uma nova descoberta:
_ Eu devia estar com raiva de você, mas agora percebo que já estava apaixonado a muito tempo, bem antes de me enviar as fotos, não é da Carla que eu gosto, é da Pequenina! E a Pequenina é você!
_ Então você me perdoa?
_ Só se você aceitar ver o filme comigo!
_ Prefiro um lugar mais intimo...
_ Então o que estamos esperando?
E a partir daquele dia morreram a Pequenina e o Big F. Em seus lugares nasceram duas novas pessoas: Márcia e Felipe. Descobriram que podiam ser quem quisessem, com a personalidade que desejassem sem precisar sem esconder atrás do que quer que fosse. Bastava acreditar na força do amor!