Aos Domingos

Aos domingos chegava a parentada na casa do avô Manoel e da vovó Santa, uma senhora com mais de setenta anos, jeito simples, risonha e acolhedora. "Bênça vó!" "Bênça mãe!" Bênça Santa!" reverenciava cada um dos descendentes a anciã. Depois do "Abençoado seja!" os filhos mais velhos, junto dos netos, tratavam logo de organizar a mesa de truco. O forro, os feijões, os parceiros e o carteado. Brincadeira simples, mas divertida. Não demorava e Santa trazia o café fumegante em copos americanos. Depois trazia pedaços de rapadura, que o avô nunca deixava faltar.

As mulheres, depois de colocarem o papo em dias, se juntavam à Santa para fazerem o almoço, enquanto as crianças corriam pela casa. Era comida muito simples, mas muito bem feita, que só esse povo do interior sabe fazer. Molho de frango caipira, purê, arroz com pequi, feijão e salada. Barulho de panelas, risadas altas, crianças correndo e os homens gritando "Truco Fecha!" e "Seis mi ladrão!". Eram assim as reuniões na casa da vovó, nos dias de domingo.

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Santa encontra-se deitada no sofá da casa de uma das filhas. É domingo. A velhinha dorme quase o dia todo, com a boca aberta, o corpo frágil e a pele colada nos ossos. Quando decide fala coisas sem sentido, balbucia frases ininteligíveis, não reconhece ninguém, conversa com pessoas do seu passado, que já se foram, das quais ninguém se lembra. Está com Alzheimer.

Outro dia a bisneta colocou uma boneca no colo de Santa que agarrando-a com as mãos trêmulas fazia carinho no bebê. Instinto de raízes profundas que a doença não lhe tirou, de tempos em que cuidava sozinha dos cinco filhos no meio do mato, enquanto Manoel passava o dia fora no trabalho pesado; e também dos tempos em que recebia filhos, netos e bisnetos em casa nos dias de domingo.

A boneca cai de seu colo. As mãos trêmulas, perdidas, tentam segurá-la. A bisneta colocou choro de bebê no celular para conferir realismo à situação. Santa, com seu olhar assutado e perdido desata a chorar também. A cena comove as pessoas do local numa mistura de humor e compaixão. A bisneta, para contornar a situação, devolve a boneca no colo da vozinha e coloca no celular risada de bebê. Deu certo, pois Santa parou de chorar e voltou a sorrir.

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Seu Manoel passou a viver sozinho em casa. Sem Santa para lhe fazer companhia procurou outros lugares em que pudesse se divertir, como costumava ser nos dias de domingo com os familiares. Passou a frequentar bares e a jogar truco com desconhecidos. As mesas eram animadas, com mulheres do tipo que só conhecera na mocidade. Elas o acompanhavam até a sua casa depois de uma tarde animada. O dinheiro de seu Manoel acabava rápido, e com as coisas que as moças do bar lhe metiam na cabeça passou a acreditar que um dos filhos, que era seu curador, não lhe repassava todo o dinheiro de sua aposentadoria. Seu Manoel tinha oitenta e três anos, um idoso de cabeça dura a mercê da senilidade. Saía batendo os pés e praguejando todas às vezes que voltava da casa do filho sem dinheiro e passou a acusá-lo de roubo.

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Nem todos os filhos de Santa queriam ou poderiam cuidar dela, que passava mais dias com uns do que com outros. Ela necessitava de atenção exclusiva e dava muito trabalho, pois não conseguia caminhar, andar ou fazer qualquer outra coisa sozinha. As brigas surgiram depois que uns filhos se esquivaram das obrigações, sobrecarregando os demais. Os irmãos também se afastaram um dos outros.

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Talvez Santa não tivesse consciência de que ela, uma cálida idosa sem estudos do interior, pudesse fazer tanto pela família com seu café, sua comida simples e seu sorriso venturoso nos dias de domingo.