Uma mãe e o anjo com as asas enormes

Sentada defronte à janela do quarto do hospital, absorta, uma mãe escrevia a esmo. Nem percebia a aragem com cheiro de eucalipto que entrava no quarto da filha doente, que dormia serenamente, depois de muitas noites insones, de febres, vômitos e dores. De faces rosadas, dormia como dormia um anjo dento de uma pintura. A mãe nem percebia que lá fora a tarde era tão bonita, com sombras dadivosas, longas, espalhadas na calçadas.

Um anjo sentava-se toda tarde com ela, descansando as asas enormes na janela. Ele, o anjo, também absorto, lia o que ela escrevia:

A minha doce menina já está bem melhor. Já não lhe doem as juntas dos dedos. também não tem tanta sede. Antes tinha tanta sede que não lhe podiam falar em água. Agora, está bem melhor.

Foi lindo saber como minha menina parou de delirar. Assustava-me quando ela dizia a respeito de seus delírios pequeninos. Sempre associei delírios à ideia da morte. Mas minha menina não pode morrer. Eu sim, posso morrer, mas ela não. Ela não sabe, mas eu troquei a morte dela com Deus. A morte de minha menina agora é minha e eu quero morrer antes dela.

Hoje de manhã, ela me falou com sua voz sumida que me amava como um passarinho. Que bom que Deus não a tirou de mim.

A mãe então guardou o escrito dentro de uma Bíblia e começou a orar. O anjo descansando as asas enormes na janela, trêmulo, chorava. É certo que ninguém sabe, mas as mães têm o poder magnífico de fazer um anjo chorar.

A menina, já acordada, restabelecida, com seus olhinhos pequeninos, olhava a tarde passar pela janela.