O Velório
Zezinho estava em sua pequena casa contando suas bolas de gude. Vivia ali com o pai, a mãe, e mais três irmãos. Ele, com dez anos, era o filho mais velho. Seu pai estava desempregado, estavam com o aluguel atrasado, além de passar por outras dificuldades financeiras, como às vezes não ter o que comer. Nessas situações, eram obrigados a bater na porta dos vizinhos pedindo alguma ajuda. Os vizinhos, que já conheciam bem a situação precária da família, sempre ajudavam, e às vezes se reuniam dando uma cesta básica para que pudessem se alimentar.
Naquele dia Zezinho e sua família estavam tristes. Primeiro porque com o alimento que tinham no armário só poderiam fazer uma alimentação, decidindo assim almoçar, deixando o jantar de lado. Segundo porque Agenor, um bondoso senhor que morava no mesmo quarteirão que eles, havia morrido, aos sessenta anos, após uma parada cardíaca.
Zezinho gostava muito de Agenor, que além de ajudar sua família com mantimentos, dava muitos doces e balas para as crianças do bairro sempre que era dia de São Cosme e Damião, e nos últimos Natais, havia comprado brinquedos e distribuído para Zezinho e os outros garotos da rua. Graças a Agenor, aqueles meninos pobres tinham um Natal mais feliz, ganhando presentes quando seus pais não tinham condição financeira para lhes dar um brinquedo.
A noite já começava a cair quando Zezinho saiu para a rua em direção à casa de Agenor, pois queria ver a movimentação do velório. Dobrou a esquina e chegou em frente à casa do falecido. Haviam ali vários carros estacionados, a casa de Agenor estava cheia, vários amigos e familiares velando o corpo do querido senhor.
Zezinho viu ali, em frente à casa, dois de seus amigos, Luiz e Bimba. Foi ao encontro deles se lamentando:
— Que pena o senhor Agenor morrer. Logo o homem mais bondoso do bairro.
— Pois é. — respondeu Bimba — pessoa melhor aqui não tinha.
— Você vai entrar lá pra ver o corpo do seu Agenor, Zezinho? — perguntou Luiz.
— Acho que não. Na verdade eu não gosto de ver defunto. — confessou Zezinho.
Ele não só não gostava de ver defuntos, como também tinha muito medo. Quando era mais novo, uma vez foi a um funeral com o pai e ficou várias noites tendo dificuldade para dormir. Quando dormia tinha pesadelos. Fazia xixi na cama à noite, com medo de ir ao banheiro, e quando sua mãe encontrava a cama molhada pela manhã, lhe dava uma surra.
— Nós fomos lá ver ele. — disse Luiz a Zezinho — Depois fomos até a cozinha, e lá tinha pão com mortadela e refrigerante para as pessoas se servirem. Eu comi dois, o Bimba comeu três, de tão esfomeado que é. Lá na cozinha tinha até um pote com balas, nós enchemos o bolso e fomos embora.
Nesse momento Zezinho até lambeu os beiços de vontade. Estava morrendo de medo de ver o homem morto no caixão, mas estava com fome, naquele dia não teria nada o que comer em casa no jantar. Ficou imaginando aqueles pães com mortadela, seria capaz de comer dois, três, até quatro. Dormiria sem fome aquela noite. Mas como enfrentar o medo? Ver um defunto não era fácil pra ele, repetiria toda a cena da outra vez que fora a um velório, pesadelos, xixi na cama, palmadas na bunda pela manhã. Meditou pensando nos pães com mortadela, no refrigerante e nas balas, e decidiu que talvez valesse a pena entrar lá, ver seu Agenor, ir até a cozinha e fazer um bom lanche.
— Se eu entrar vocês vão comigo? — perguntou Zezinho aos dois amigos.
— Eu não volto lá — disse Bimba.
— Também não entro lá mais — disse Luiz.
Zezinho voltou a refletir. Teria que entrar sozinho. Enfrentar o medo sozinho. Encarar o defunto sozinho. Pensou, pensou e decidiu, ia entrar.
— Se vocês não vão comigo, eu vou sozinho.
Ergueu a cabeça e começou a andar em direção à casa, decidido. Passou pelo portão, e chegou à porta da sala. Ao entrar viu várias pessoas e ali, no centro, estava ele, estendido em um caixão. Quando viu o corpo, Zezinho estremeceu da cabeça aos pés, sentiu os pelos da nuca se arrepiarem. Respirou o cheiro de velório. Viu o rosto do morto, as mãos unidas sobre o peito, pedaços de algodão nas narinas.
Não sabe quanto tempo ficou ali admirando aquela cena. O mesmo Agenor que ajudava sua família, que lhe dava doces no dia de São Cosme e Damião, que lhe dava brinquedos no Natal. Agora ali, deitado, sem vida. Reflexões sobre a morte passando pela cabeça de um menino de dez anos.
Quando sentiu que ficara ali tempo suficiente, foi até a cozinha da casa. Lá, sobre a mesa estavam os pães com mortadela e as garrafas de refrigerante. Pegou o primeiro e comeu, como se não comesse a dias. Comeu o segundo, o terceiro. Esvaziava e enchia o copo de refrigerante. Decidiu comer mais um pão. Aquele seria seu jantar. Após se sentir saciado, viu o pote com balas. Foi até ele e encheu as mãos, colocando-as no bolso da bermuda velha.
Saiu da cozinha e passou novamente pela sala, dessa vez sem encarar o caixão. Passou pela porta e foi para a rua. Se teria pesadelos, se faria xixi na cama, não sabia. O importante é que vira Agenor pela última vez e que naquela noite não sentiria fome ao dormir. Parou do outro lado da rua e ficou ali conversando com Luiz e Bimba, olhando a casa cheia de pessoas que entravam e saiam, velando o morto.